Seqüências brasileiras com Chico Buarque e Milton Hatoum
O andar meio que pisando em ovos é a mostra marcante da sua timidez. Entra meio titubeante ao lado de um colega escritor. Os dois publicam pela mesma editora.
Ele fica parado ao lado da poltrona em pé. Espera o mediador da mesa literária Samuel Titan Junior e o outro convidado da mesma mesa se sentar.
Samuel apresenta primeiro um breve currículo de Milton Hatoum, nascido em 1952, professor de literatura francesa da Universidade Federal da Amazônia e professor visitante de literatura brasileira na Universidade da Califórnia iniciou a carreira de escritor em 1989 com “Relato de um certo Oriente” , livro vencedor de um dos mais importantes prêmios literários do Brasil, o Jabuti. O interlocutor declarou feliz com a sua desistência da profissão de arquiteto para se dedicar a letras.
Órfãos do Eldorado é uma novela de 103 páginas. Concisa, conforme exige a coleção de mitos da Canongate para que foi concebida e a recomendação da editora escocesa foi clara: queria que fosse baseada num mito amazônico. Uma novela condensada. Hatoum, disse que não trabalha mais sobre encomenda devido a forte pressão para terminar a obra na data marcada.
Personagem central, Arminto Cordovil olha nos olhos de Dinaura, e neste cruzamento de olhar reconhece que sua vida mudaria. Mudou. E toda a escrita de Milton Hatoum é a história dessa mudança. Mas uma mudança muito difícil, Arminto não consegue arrancar o passado: ele continua vivo, resiste, perpetua-se nas artimanhas da memória. Por isso, a fábula que Hatoum nos conta em seu mar de histórias do Eldorado é anfíbia: como Dinaura, como a cidade de Manaus. Anfíbia como a angústia de um presente que não se separa do passado, e isso provoca a diferença.
Voltando a Flip, a Mesa 10, Seqüências brasileiras; o jovem Samuel Titan comenta; sobre algumas semelhanças entre os dois livros, os dois escritores disseram, em tom de piada, que haviam copiado um ao outro. O que deixou passar é que houve um ensaio, mas que o nervosismo havia se incumbido de fazê-los esquecer. Da minha parte senti que a espontaneidade dos entrevistados deixou a desejar. Os dois se dizem amigos, mas nesta hora questionei: até que ponto a amizade foi forçada pela editora? Houve trocas de gentilezas meio titubeantes entre os dois. Penso que faltou sinceridade no discurso dos dois escritores.
Chico Buarque de Holanda; compositor e escritor nasceu em 1944, criado em uma família de intelectuais (o pai foi o historiador e sociólogo Sergio Buarque de Holanda). Em 1963, ingressou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (que cursaria só até o terceiro ano). Samuel Titan Junior não se conteve e brincou com o abandono da arquitetura de Chico e Milton.
Chico Buarque contou que passou um ano e meio pesquisando e lembrando histórias contadas pelo pai, o historiador Sérgio Buarque de Holanda , e confessa que nunca foi um bom leitor de história. Como Hatoum, buscou a concisão no relato. Explicou o Leite Derramado" como um livro inspirado na canção "O Velho Francisco", de 1987 em que dizia: "O meu pai era paulista/ Meu avô, pernambucano/ O meu bisavô, mineiro/ Meu tataravô, baiano/ Meu maestro soberano/ Foi Antonio Brasileiro."
Chico narra com prosa elegante, fluente e divertida a história decadente da família de Eulálio Montenegro d'Assumpção, um velho enfermo que foi abandonado pela mulher em um hospital no Rio. O enredo tem início na corte portuguesa, percorre períodos do Império e da República Velha até chegar aos dias atuais, utilizando figuras e cenários que habitam a memória de Chico.
Na velhice, como diz o velho narrador de Chico, "a gente dá para repetir casos antigos", mas o autor precisou de 150 páginas para contar como mudou a história do Brasil neste último século para que tudo permanecesse exatamente igual, do preconceito racial à corrupção.
Chico brincou com o amigo Hatoum, lembrando que esse narrador lhe azucrinou a vida durante um ano e meio, tirando seu sono e deixando ao escritor como herança uma perna quebrada. Assustado como a ficção tomava conta de sua vida real, o cantor e compositor deve ter encurtado a novela para se livrar do velho narrador azarento.
Deixo aqui um comentário para o leitor de Leite Derramado, as suas histórias são narradas sem qualquer ordem cronológica e muitas vezes algumas passagens são repetidas, sinais que revelam o estado debilitado do velho narrador, parecendo delirar em tudo o que fala e não se pode deixar de lado essa hipótese.
Já em Órfãos do Eldorado, o autor mostra no romance um relato de linguagem clara e direta, guardei na memória o relato do autor no início da história de uma beleza encantadora: uma índia pára na frente do rio, arenga lamentações em língua indígena, falando que se apaixonou por um belo homem que mora no fundo das águas e pretende se juntar a ele. Como hipnotizados, os que a observam só se dão conta do que se passa após a índia haver nadado um bom pedaço de rio, longe demais para ser salva.