João Gonçalves e o defunto pernóstico
O deputado estadual paraibano João Gonçalves é conhecido por suas atitudes folclóricas, seu jeito simples de ser e a atração que sente por defunto. João nasceu no dia de finados, carregando no DNA essa lúgubre mania defuntícia.
Na carreira política, João tem como marca registrada a mania de doar caixões de defunto a tantos quanto o procurem. Tem o político populista pai da pobreza? Pois João é padrinho dos finados. E não se contenta só em doar o ataúde, faz questão de comparecer ao enterro e pegar na alça do “envelope de tábua”.
João é lutuoso, mas não melancólico. Sempre rindo, atende à sua vasta clientela dos despojados e miseráveis que o procuram de manhâ à noite, com uma paciência cadavérica. Ele diz que é promessa doar os caixões, desde que viu um defunto pobre ser levado ao cemitério no “caixão da caridade”. Lá despejaram o corpo e voltaram com o caixão para servir outro pobre. Os linguarudos do bar do Zé garantem que Michael Jackson foi enterrado em caixão doado por João Gonçalves.
O fato é que João dá o caixão mas quer a regalia de pegar na alça do dito cujo a caminho do campo santo, solvendo aquele clima de enterro, com parentes chorando, bebinhos aperreando e aquela moscaria danada insistindo em pousar nas ventas do freguês depois de “deitar e rolar” na cara do falecido. E o perfume vencido das flores vagabundas? E aquele cheirinho de vela misturado com suor de três dias?
No interior, era costume dar surras nos defuntos. Se morreu à tarde ou à noite, passavam as carpideiras cantando a noite toda e por ocasião de levá-lo ao cemitério, a certa altura, eles surravam o defunto, ficando mais leve para ser carregado. Isso era comum quando a rede vinha da zona rural para a cidade.
Na capital João Pessoa, ainda resistem muitos costumes do interior, e um deles é dar primazia aos parentes na hora de carregar o caixão do falecido. Na qualidade de benfeitor da família, João Gonçalves tem certos privilégios. Outro dia, um cara chegou na casa de um falecido e não viu João. Perguntou pelo deputado quando ouviu uma voz saindo do quarto: “Tou aqui”. Era João Gonçalves vestindo o defunto, ofício em que o popular político também mostra habilidade.
Aliás, João é uma enciclopédia no quesito enterro. Sabe tudo desse ritual. Ele garante que a lavagem e vestidura do defunto deve ser feita pela pessoa que o falecido pediu. É a ablução, um resquício da lei mosaica. Ao sair o féretro, duas pessoas, nunca uma só, devem varrer a casa e lançar os ciscos na direção em que seguiu o enterro.
O fato é que João Gonçalves foi acompanhar enterro de um camarada na Ilha do Bispo e não conseguia pegar na alça do caixão, como é seu costume e prazer. Os danados dos parentes sempre afastavam o deputado de perto do caixão, que seguia em direção ao Senhor da Boa Sentença com um acompanhamento até razoável de umas cinqüenta pessoas. A certa altura, Gonçalves perdeu a sua proverbial paciência e estacou, deixando o cortejo seguir adiante. Depois que o enterro andou uns dez metros, João gritou: “Ei!” Todos se voltaram.
--- Soca esse defunto no rabo! – gritou o deputado, virando-se e seguindo em direção contrária, já pensando em outro funeral no Grotão.