Li em algum lugar que a vida é acaso e que a sorte é o acaso aproveitado.
Sabe que também penso assim?
E o que importa afinal, pois eu concordar ou discordar não muda nada de nada...
É inegável o acaso da vida. Acaso que nos faz nascer aqui ou ali, em determinada família ou situação.
Disso não escapamos.
Não é má sorte, portanto nascerem os desvalidos e miseráveis: eles são o fruto de pais que nada têm além do céu para cobrir-lhes a cabeça - são o fruto do descaso dos governos, da miséria de povos que vivem em estado quase primitivo, são a consequencia das escolhas de alguém...
Também não é má sorte ser portador de alguma dificuldade especial, já que a ciência explica condições de má formação ou de intercorrências que justificam a maioria dessas situações.
Aí novamente lembramos o descaso de governos para com a saúde, a péssima formação de profissionais, ou a irresponsabilidade de alguns pais.
_ Mas por que comigo?
O acaso...
Há ainda que se lembrar dos portadores de deficiência por maus tratos ao próprio corpo, em razão da ignorância, os acidentados em carros, motos etc. (Acidente é uma palavra ampla, que não impõe uma única direção de análise).
Então você me perguntaria sobre os acidentes aéreos...
Eu diria que ainda vale a mesma linha de raciocínio.
Ninguém é culpado? Foi má sorte estar naquele determinado vôo?
Primeiro sabemos os riscos da viagem em si: afinal se alguma coisa acontecer com um avião, não dá para descer ou pedir para parar! (Tremo ao pensar nisso quando viajo...rs).
Há então que se pensar também em falha humana, na falta de responsabilidade de governos que não disponibilizam recursos de tecnologia para resolver problemas de segurança e fazer valer normas, das companhias aéreas que não fazem com responsabilidade a manutenção de aeronaves, etc etc.
Não se morre em um acidente aéreo por má sorte! Morre-se por circunstâncias decorrentes das escolhas de alguém .
O acaso...
E aqueles rapazes, colhidos por um carro em alta velocidade e dirigido por um deputado bêbado?
É talvez cruel ou frio afirmar e quem sou eu para afirmar alguma coisa, se nada sei!
Mas... Acho que é estar no lugar errado, na hora errada!
Puro acaso.
Como acaso é desenvolver alguma doença grave ou incurável, sem nenhuma responsabilidade sobre o seu aparecimento.
E a sorte? Brinda apenas alguns com sua proteção?
A sorte nada mais é do que aproveitar o acaso, como disse no início.
É mudar de emprego no momento propício, é comprar nas melhores condições do mercado, é vislumbrar a chance concedida, é viver de forma a ter reciprocidade nas relações de amizade e amor. É enfim a coragem, a determinação e a garra; a nossa vontade para transpor barreiras, sair de situações, vencer desafios.
Meu pai usava um termo interessante para exemplificar isso: dizia que tudo acontece enquanto está na nossa alça de mira: ou você atira ou perdeu a vez! Perde.
Na prece de São Francisco de Assis vale lembrar a afirmativa de que é dando que se recebe.
Mas lastimar o amor não correspondido, o abandono, a traição, a falta de iniciativa para vivenciar momentos, as circunstâncias carrascas do “não posso”; essa é a lástima maior!
Ninguém pensa num primeiro instante que escolheu mal o objeto do amor, que se deixou levar pela imaturidade e pelo sonho. Que fechou os olhos a defeitos que já existiam, mas que cegamente e em nome da paixão preferiram minimizar.
Depois o choro da perda, o inconformismo e invariavelmente a pergunta:
_ Por que comigo?
Nada há para ser reclamado, nada há para ser colocado como fatalmente imposto a se viver.
Somos responsáveis pelo que nos acontece e só nos acontece porque cedemos espaço à, quando permitimos que: quando escolhemos!
Poucas são as situações em que não temos escolha. Mas elas quase sempre serão calcadas em atos e fatos antecedentes e direcionamentos consequentes.
A morte é a única coisa inevitável: contrato feito para com a natureza desde que nascemos. Mesmo assim, ainda temos o direito adquirido de antecipar os desígnios naturais e beber demais, comer demais, ignorar cuidados com o corpo, ou usar uma arma contra o peito.
_ Pobre homem, morreu tão jovem de cirrose! Que falta de sorte!
Na verdade ele teve pressa, não quis pagar o pedágio e nem os impostos das estradas da vida – preferiu o atalho pelo precipício. Caiu!
Parece que gostamos de viver perigosamente, parece que gostamos de arranjar motivos para tirar os cabelos da cabeça fio a fio!
Falando em cabeça olha só as voltas que a minha cabeça dá...
Tudo isso só para dizer que escolhi mal... E como nem faz conta ou importância dizer, na hora errada também!
( E para não perder o hábito)
_ Ai... Ai... Ó Sartre, ó vida...
Ilustração de Paula Baggio
Nanquim sobre papel Canson
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