Memórias póstumas de um vampiro
Memórias póstumas de um vampiro
Não sei se posso dar esse título a minha coletânea de crônicas.
Afinal se eu posso escrever uma memória póstuma é porque eu morri, mas todos os vampiros, pra serem vampiros, têm que morrer. Então todos os vampiros poderiam escrever um livro com o mesmo título que seria absolutamente verdade.
Mas tem um porém. Antes de morrer eu não era um vampiro, afinal para se tornar um vampiro tem que se morrer e se ainda morrido eu não tinha como vampiro seria? Então seria melhor colocar o título "Memórias póstumas de um cara que depois que morreu se transformou num vampiro"? Hum...
Seria um fracasso editorial na hora. Título muito comprido, pouco coeso e sem grande apelo mercadológico.
Estou confuso agora e ainda por cima no meio de um impasse com meu eu interior por conta desse maldito título. Quisera eu ter só morrido sem ter virado vampiro! Agora cá estou! Com um laptop na mão e se auto-flagelando por causa de quê? De um maldito título!
Mas agora o texto já está quase todo escrito e depois de três séculos desde que escrevi pela primeira vez em meu diário, me sinto obrigado a publicar logo e acho que o título vai ser esse mesmo.
Pensando bem, acho melhor deixar pra lá, já deve ter algum livro com esse nome em algum lugar...
Mais um dia
O barulho da chuva
Me lembrou daquele dia
Quando eu em meu lar lembrava
Da minha vida vazia
Trezentos anos passaram
Talvez algum dia a mais
Temo que os anos voaram
Todos sempre tão banais
Até entrar em minha vida
Naquele baile à fantasia
De fada negra vestida
Aquela que alegria traria
Mas depois de tantos anos
A lição eu aprendi
Pouco duram os humanos
E ainda assim me iludi
Vou voltar pra minha terra
Velha e boa Transilvânia
E torço pra que essa guerra
Chegue logo à Romênia
Primeiro encontro
1806. Deben, Inglaterra
Pessoas, coquetéis, orgias... Máscaras de todos os formatos que possas imaginar. Pessoas dançando ao som de músicas com qualidade tão duvidosa quanto a puridade do sangue em suas veias. Um som pouco compreensível por sinal, pois além da música em si, a qualidade de suas cítaras e instrumentos de percussão também era duvidosa. Esse é o cenário, um tanto quanto desanimador para o que seria a grande noite de caça ao rebanho de Deben. Minha amiga egípcia Atit, que viajou comigo de Quíchanes para Deben por conta do encontro das Assembléias, estava infinitamente mais animada.
Talvez eu estivesse me cansando de tais festas, das luzes, daquele som que cada vez mais me deixava irritado, talvez o sangue humano já não exercesse a mesma influência que outrora. Talvez eu apenas estivesse irritado pela enorme viagem marítima do México até o Reino Unido. Mas tudo começara mudar, e eu me lembro disso como se fosse hoje.
Estava sentado ao lado do palco, em frente a um tocador de bumbo, observando outros de minha raça seduzindo jovens humanas, beijando-as e fazendo as mais íntimas carícias, sempre sem tirar os olhos de seus pescoços, como se esses fossem a 8ª maravilha do mundo. E talvez naquele momento realmente fossem. Meus ouvidos escutavam os sussurros ao ouvido proferido por cada um dos presentes, por conta de minha percepção pós-vida, muito mais apurada desde minha transformação em 1655 na cidade de Veracruz. Minha sensível Atit não estava em meu campo de visão, mas eu também podia sentir sua presença, e sem dúvida ela estava aproveitando o ambiente, muito provavelmente com seus caninos colados ao pescoço de um jovem desavisado e com as glândulas transbordando de hormônios sexuais. As fêmeas de minha espécie também se divertiam dançando em movimentos sensuais enquanto o rebanho as olhava voluptuosamente, mal sabendo que noite teriam ao lado dessas pálidas deusas.
Até que se senta ao meu lado uma jovem com a qual já tinha conversado anteriormente horas antes da festa, assim que cheguei à cidade, mas que não lembrava de modo algum do nome, apesar de lembrar claramente que ela havia me dito seu nome e sua cidade natal, Tamtok, situada a pouquíssimos quilômetros de Quíchanes. Lembro-me que isso me causou estranheza, pois seus traços não me remetiam aos outros habitantes do Novo Mundo. Estranhamente minha percepção vampírica nesse momento foi inútil, de modo que não a percebi chegando, só a vendo no momento em que ela sentou a meu lado.
Conversamos ali sobre nenhum e todos os assuntos. Falamos durante horas, como se estivéssemos no silêncio de um quarto fechado. O tocador de bumbo parecia não estar ali. Ela me disse ser descendentes de Romenos e enfim pude entender de onde provinham seus traços exóticos. Não pude deixar de lembrar das histórias relatando sobre os violentos e poderosos vampiros do Leste Europeu, em especial da Transilvânia, território que ocupa cerca de metade do território romeno. Depois de algumas horas a festa acabou, já estava amanhecendo e meus pares já haviam se retirado para o hotel em que ficamos alojados e nós continuávamos a conversar ali onde outrora estava o estranho rapaz que tocava bumbo, vesgo e com olhos verde-absinthé. A convidei pra ir comigo, alertando-lhe a precariedade do Deben House, o hospedaria onde os representantes das duas Assembléias estavam alojados, localizado um pouco ao norte de onde estávamos. Ela aceitou e nos encaminhamos juntos e vagarosamente para a hospedaria.
No caminho rumo ao Deben House, pude melhor observá-la e ter suas formas e movimentos como um colírio para esses meus olhos, já cansados de tanta escuridão. Ela tinha a pele bem clara, ao menos bem mais que a minha, tinha uma altura razoável, um pouco abaixo de minha própria, seus cabelos eram longos e castanhos, pouco mais claros que chocolate e seu corpo apesar de esguio tinha, ao menos na minha concepção, belas formas nos pontos estratégicos como quadril e busto. Seus olhos pareciam vagar a quilômetros dali. A imagem dela nesse momento foi interrompida em minha mente pela imagem de minha última parceira. Dalia. E imaginei como Dalia iria agir quando eu voltasse para Quíchanes. Mas essa interrupção dura pouco tempo, pois a imagem de minha doce e distante humana retorna às minhas pupilas rapidamente.
Ao chegar, nos sentamos no hall principal do hotel. Eu me recostei em suas pernas e continuamos a conversar sobre mais tudo e ainda mais nada. Depois de mais algum tempo virei levemente a cabeça ficando com meu rosto a um centímetro do seu. Nesse momento a beijei. Seu beijo não era comum. Foi um momento absurdamente mágico, como se meu corpo tivesse voltado a funcionar, como se o coração estivesse subitamente voltado a bombear sangue, como o fizera pela última vez a um século e meio atrás. E então pensei em fazer algo que tinha prometido a mim mesmo jamais fazer novamente e meus caninos começam a sobressair. Mas me refreei, recolhendo os dentes, e voltei a encostar-me nela, dessa vez em seu ombro, podendo assim sentir o aroma que vinha de sua nuca me deixando ainda mais tenso.
Ela me pergunta se eu lembrava o nome dela exatamente no momento em que eu tentava me recordar dele, já pensando em perguntá-la pela segunda vez no mesmo dia. Tive de admitir minha súbita falta de memória e perguntá-la novamente, já que eu não conseguia me lembrar nem um mísero fonema de seu nome. Ela se recusou a responder, não sei se por ter ficado chateada ou apenas para me perturbar, mas eu continuei a perguntá-la e depois de muita insistência acabou por me falar.
Elloyse. Pelo que conheço da etimologia de nomes me parece um variante do francês arcaico Héloïse, um nome que não tem o significado conhecido, mas talvez possa se relacionar com o grego Helios. Sol.
Quando ela acabou de falar seu nome, senti uma forte presença vampírica emanando dela, descobrindo assim sua verdadeira natureza, e percebendo que em alguns dotes vampíricos ela tinha um nível bem acima do meu. E eu só a sentiria por perto quando ela permitisse, quando ela quisesse que eu a sentisse. Sábia foi minha decisão de não tentar transformá-la em vampira, pois se sugo seu sangue mórbido naquele momento me tornaria seu escravo para toda a eternidade. Porém ainda hoje me questiono o que o fato de ter pensado na hipótese pode ter me causado. Quão escravo possa ter me tornado daquele belo sorriso.
Como pude ser tão estúpido em não imaginar que uma descendente de romenos estaria fazendo em Deben, uma das mais desconhecidas cidades do Reino Unido, justo quando se daria o encontro das Assembléias?
Durante todas as outras noites em que estivemos em Deben estivemos juntos. A cada festa, a cada reunião, a cada treinamento. Elloyse na verdade também estava alojada no Deben House desde que chegou a Inglaterra e assim ficamos ainda mais próximos durante os 6 dias do encontro das Assembléias. Era incrível a nossa sincronia, pois na maioria das vezes em que eu saía de meu quarto e me dirigia ao corredor, antes que eu passasse por sua porta ela saía também. E eu seguia para a sala de hóspedes atrás dela, olhando detalhes seu caminhar exótico e voluptuoso.
Ao final da sexta noite eu sabia que dificilmente a veria de novo, dificilmente sentiria de novo aqueles lábios macios. Chegada a hora de sua partida levei-a ao porto e com ela fiquei até a hora de seu embarque. No momento em que a vi entrar no navio senti um imenso vazio dentro de mim. Não sabia se a veria de novo, nem tampouco se conseguiríamos manter nossas cabeças em seus respectivos pescoços até o dia desse possível, ainda que improvável reencontro. Lá se foi minha querida Elloyse. Rumo a Tamtok. Apesar de ser no mesmo país que Quíchanes, a menos de 3 horas de distância, era como se um mar fosse nos separar.
E eu voltei ao Deben House para me preparar para a volta à Quíchanes, onde Dália deveria estar me esperando, onde meu mundo voltaria a falar castelhano, onde as minhas noites voltariam a ser preenchidas pelo vazio da guarda de Hintaren.
Dias e noites
Velas e odores
Dúvidas e cores
A cada dúvida
Uma nova dívida
Comigo mesmo
Ou com amigos a esmo
A cada noite
Um novo bordel
A cada dia
Mais perto do Céu
Gramas e flores
Pijamas e amores
A cada dia
Um novo ideal
A cada noite
Uma desistência banal
Bandas de rock
Mulheres de coque
Atrevessando a lagoa aberta
Cruzando uma estrada deserta
Tudo começa de novo
E de novo me vem a cabeça...
Reencontro
1869. Quíchanes, México.
Hoje, depois de pouco mais de seis décadas, reencontrei Elloyse. Ela estava tão linda como quando a conheci na Europa, os mesmos traços exuberantes e exóticos que ainda busco encontrar em cada humana que meus olhos vêem, mas nunca nada consegue se comparar a beleza vampírica de minha querida Elloyse.
Assim que cheguei à recepção do salão de Ecei pude a avistar. Sua beleza preenchia todo o cômodo e o êxtase de revê-la arrepiava minha espinha. Ela estava de costas, com seu longo vestido púrpura e com o cabelo preso. Quando a vi quase não acreditei. Sabia que ela fora convidada, sabia que ela poderia estar ali afinal ela também era membro da Assembléia Ecei, mas mesmo assim meus olhos mal podiam acreditar no que estavam vendo.
Após me identificar no portão principal, adentrei o salão e fui cumprimentar Elloyse com um aperto de mão e um beijo em sua bela e delicada mão esquerda, como é o cumprimento padrão de nossa região no século corrente. Nada mais. Sentei-me a seu lado e começamos a conversar banalidades. Como sempre foi. Mas ainda que a conversa em si não tivesse tanto peso, só o fato de olhar em seus olhos era uma coisa estarrecedora, prazerosa por si só, assim como escutar cada som emanado de suas cordas vocais, que agiam em mim como se fossem o som de uma harpa encantada.
Pude rapidamente reparar em seu cordão, portando o símbolo de sua família. Cordão que ela já possuía quando a conheci em Deben, mas que eu nunca tinha reparado com tanta precisão como hoje. Nem mesmo o simpático cordão talhado em madeira das estepes romenas foi modificado depois dessas longas seis décadas.
Após o discurso do diretor-geral da Ecei, a mesma série monótona de palavras costumeiras, houve a divulgação de uma vaga para espião numa região asiática chamada Ceilão. Candidatei-me a ir ao Ceilão como espião, pois a bagatela oferecida pelo Ecei não era de se jogar fora. Elloyse era também pré-voluntária, mas desistiu da empreitada logo depois de ser avaliada pelos membros superiores da nossa Assembléia. Não sei quem irá competir comigo, mas naquele momento, isso pouco importava. Naquele momento só a presença de Elloyse me importava.
Elloyse estava com sua criada a esperando e como ainda faltavam algumas horas para eu voltar a guarda de meu posto na taverna de Hintaren, decidi acompanhá-las em sua viagem pela minha cidade natal, Quíchanes, quase como um guia. Não a mostrei a lendária estátua de Caim, nem tampouco a montanha sagrada lupina, talvez os dois principais pontos turísticos vampíricos de Quíchanes. Ao contrário disso, andamos por lugares banais, conversando sobre qualquer coisa que pudesse nos assaltar a mente para que não ficássemos mudos.
Elloyse me contou que precisaria reabastecer seu estoque de alimentos, e aproveitaria para fazer isso em Quíchanes. Entramos em um desses depósitos de sangue, sumariamente escondidos no porão de um estabelecimento comercial. Este tinha com atividade oficial o comércio de aves. Tivemos que esperar em uma pequena fila e todo esse tempo acompanhei Elloyse, mas ao chegar sua vez, usei minha velocidade e passei por detrás dela. Sentei na cadeira de aguarde e pude observar cada movimento, cada gesticulação sua destinada ao velho ranzinza que guardava a carga profana. Percebi que ela olhava para o lado, como se me procurasse enquanto falava com o velho. Mas ela sabia que eu estava por perto. Minha velocidade não me permitira ir para muito longe e mesmo que permitisse, eu não desejaria sair dali. O que estranhei foi ela não olhar exatamente para o local certo dessa vez.
Com alguns litros de sangue em posse de Elloyse, nos retiramos do banco e subíamos as escadas ao encontro da criada de Elloyse. A cada passo que dávamos em direção ao térreo eu reparava em seus movimentos, semelhantes aos de Ísis. Como se ela fosse a Rainha do Egito e eu seu Deus-Sol, e a cada suspiro, a cada passo que ela dava, mais eu me tornava como Osíris. Era assim que eu me sentia. Como um dos nove lendários vampiros egípcios de muitos séculos atrás, cheios de poder e lascívia.
Andamos pelas ruas tendo como destino as docas de Quíchanes. A criada de Elloyse tropeça em uma pequena formação rochosa e arrebenta seu sapato, com o impacto ela bate em um vendedor de jornais ambulante, derrubando todos os informativos que o pobre diabo carregava no chão. Uma cena no mínimo hilária, apesar do nosso amigo vendedor não ter ficado muito satisfeito ao ver seus jornais espatifados pelo chão.
Pude então ver no rosto de minha pequena Elloyse o sorriso mais belo que a Lua pode presenciar desde Lilith, mãe primordial de todos nós. Um sorriso contagiante que me fazia rir de felicidade só por estar ali, presenciando aquele sorriso. Ignorando os jornais, ignorando o vendedor, ignorando a criada. Apenas o sorriso de Elloyse importava naquele momento. Diante dos resmungos de sua criada Elloyse apenas ria, às vezes chegando quase a gargalhar. Eu juro que pensava que não pudéssemos rir com tanta vibração assim, afinal éramos vampiros. E vampiros normalmente não gargalham, a não ser que não estejam com suas mentes em estado de sanidade total. Mas estávamos bem. Nenhum sinal de loucura aparente em nossos atos.
Senti a proximidade de sua partida ao chegar na esquina da taverna Hintaren, quando já não faltava tanto tempo assim para meu horário. A doca de Quíchanes também não era tão distante. Ao chegar à taverna, levei Elloyse para conhecê-la por dentro. Ela olhava atentamente ao local, não me parecendo achar dos melhores. Eu a perguntei o que ela tanto olhava, ao que ela respondeu: Preciso olhar bem, para que assim possa me lembrar posteriormente.
"Deves lembrar do caminho da rua, para que assim possas voltar em breve". Foi tudo que pude responder. Nos despedidos com beijos nas faces e acompanhei com o olhar a saída de Elloyse. Foi uma terça-feira memorável, fora dos padrões de uma terça-feira, normalmente um dia tão monótono.
Dessa vez, ao contrário de seis décadas atrás, tive certeza de que a veria novamente. E há de não demorar sessenta anos dessa vez.
Noite de Natal
No escuro da noite
Vaguei desnorteado
Como se o caminhar
Pudesse a dor dissipar
Passei as mais belas baías
Enquanto estava sentado
Enquanto olhava pra tv
Enquanto pensava no amanhã
Ouço as comemorações
Ouço as lamúrias
Ouço tudo
Tudo o que o Natal traz
As promessas são feitas
Para serem quebradas
Por isso não me prometa
Apenas venha
Deixa-me te ver
Deixa-me rir
Deixa-me chorar
Só não me deixa sozinho
Longos anos passaram
Nunca deixei de pensar
Nunca deixei de te ver
Nunca deixei de te ouvir
Que passe logo o Natal
Que acabe toda a alegria
Que caia logo a noite
Que eu possa logo te ver
Porque não?
1899. Quíchanes, México.
Dediquei-me como um insano às artes nessa última semana. Músicas, encenações, pinturas... Tudo o que fiz essa semana teve um único motivo. Provar a mim mesmo que nós, vampiros, vivemos um paradigma desde que Caim foi guiado por Lilith pelos caminhos ocultos da imortalidade.
Explicando: Depois da morte nenhum vampiro jamais conseguirá realizar grande parte das ações que um humano pode, ao menos não de forma natural. Jamais poderíamos sentir prazer com o sexo, pois não há mais circulação de sangue para nossos órgãos sexuais. Jamais poderíamos saborear uma boa comida, pois o nosso sistema digestivo já está a muito tempo inativo e tudo o que faríamos com a comida ingerida seria devolve-la pelo mesmo lugar de onde veio. Jamais poderíamos ser criativos nas artes, porque nossos cérebros não têm mais a capacidade de produzir, apenas de reproduzir. Jamais poderíamos amar, pois... Pois somos vampiros.
Mas a verdade veio à jato. Minhas obras estão longe do brilhantismo. Até consigo algumas pinturas tecnicamente boas, mas nada que um bom crítico não possa estabelecer laços de semelhança com alguma outra obra. Nossos órgãos sexuais só enrijecem sob efeito das magias vampíricas ou ao degustar o sangue humano. E não é apenas mais um fetiche. É nossa natureza. O sangue ao descer por nossas gargantas tem um efeito extraordinário sobre nossos corpos. É como se naquele momento, ao mesmo tempo sacro e profano, todo o nosso próprio sangue voltasse a circular. Como uma criança ao sair da placenta da mãe, sentimos uma forte explosão, uma forte dor. E essa dor, que automaticamente se converte em êxtase, a cada gota de sangue digerido aumenta e com ela o prazer aumenta. O precioso líquido da vida revitaliza nossos corpos mortos. Mas a comida comum nos faz vomitar. A água, ou qualquer outro líquido, tem igual efeito.
Mas e o que sinto por Elloyse? Porque não podemos sentir nada? E o que sinto dentro de mim, o que é? Em meu última quadro retratei minha amada em uma pequena tela de 17 centímetros de altura e 9 de largura. Subjetivamente mostrada como a vejo a cada segundo de minha desgraçada pós-vida. Uma imagem confusa, sem foco. Que gira em minha mente confundindo a cada dia meus sentimentos, como se fosse um vulto fantasmagórico que em um momento me aquece, me tira de minha não vida, devolvendo essa vida a tempos perdida e no momento seguinte torna a me congelar como se mandasse pra os fins da terra de Odin.
Quem és tu que permeia minha mente, fazendo-a de abrigo e abandonando-a quando queres? Quem sois Elloyse? Quem sou?
* Este texto não está concluído. Sugestões são bem-vindas.