Periferia, Polícia e Notícia
A favela de Heliópolis é a maior e uma das mais perigosas de São Paulo.
Não são raros tiroteios entre bandidos e policiais, portanto, também não é incomum que a imprensa apareça por lá fazendo suas entrevistas, fotografias e filmagens nos locais preservados pela polícia.
Mas e quando a polícia não permanece guardando a cena de crime como ocorreu no fim da noite passada!?
Num lugar perigoso, como a favela em questão, isso quer dizer apenas uma coisa: A PM fez besteira!
Abandonam o local na esperança de que os jornalistas, com receio de assaltos, não entrem no interior da comunidade para levantar a história, ficando apenas com a versão oficial passada pelo comando de área.
Essa tática funciona com muitos colegas menos experientes no jornalismo policial mas, como diz o repórter com quem trabalho: "Não somos acessores de imprensa da secretaria de segurança!"
Mesmo sem polícia, nos aventuramos no interior da favela, passando por vielas escuras e apertadas e sentindo olhos em nossas costas.
Pode parecer loucura, mas não é!
Logo depois que ocorre um crime e a polícia se faz presente, existe um tempo hábil onde é possível circular pelo local, pois os criminosos continuarão escondidos até a poeira baixar. Esse tempo varia, pode durar dez minutos ou dois dias, tudo vai de sentir o "clima" do lugar.
Encontramos a rua onde teria ocorrido o confronto e descobrimos o motivo pelo qual a PM tentava evitar que entrassemos na favela. Uma menina de oito anos teria sido alvejada no peito por um policial!
O repórter conversa com os familiares da garota se declarando inconformado com o ocorrido e me olhando em busca de confirmação, que obtém na melhor expressão de indignação que consigo fazer. Técnica para ganhar a família, que acaba gravando entrevistas e garantindo nossa segurança no local.
Não é que não nos importemos, apenas somos calejados pela violência da metrópole. Além do que, precisamos manter certa distância para poder ver a coisa como um todo.
Segundo a família, policiais da ROCAM (rondas ostensivas com apoio de motos) eram os únicos a disparar com suas armas enquanto perseguiam um suspeito que fugia. Um desses tiros teria pego na criança, que voltava da casa de uma tia. Ao se recusarem a socorrer a menina, populares teriam ficado revoltados e agredido os policiais, tomando a chave de uma das motos durante a confusão.
A menina acabou sendo socorrida de carro por um vizinho até o hospital da região e não corre risco de morte.
Comprovando a versão da família, temos uma delegacia onde nenhum bandido foi preso ou arma apreendida.
Mas apesar de todos os fatos, nada acontecerá!
Os policiais continuarão nas ruas, os bandidos continuarão a solta e a imprensa partirá para outras matérias.
Apenas uma menina inocente de oito anos terá para sempre uma cicatriz em seu peito e, toda uma comunidade, uma ferida ainda maior contra o Estado!
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