A instituição da gorjeta
No ano de 1975, mais precisamente durante todo o mês de abril, participei de uma caravana de estudos e aperfeiçoamento, em pleno solo japonês, sobre a ultramoderna filosofia oriental, preconizada pelo Grande Mestre Mokiti Okada, onde tomei contato, juntamente com mais 51 brasileiros, com formas de vivência bem divergentes de nós outros, que somos muito privilegiados pela extensão territorial, pelo clima bem menos rigoroso, pela estabilidade geológica e, principalmente, pela menor rigidez com relação às hierarquias sociológicas, familiares e políticas. O povo japonês obriga-se a seguir patamares altos de disciplina e de senso de cidadania com responsabilidade, porque eles têm consciência de que a união faz a força e, portanto, de que o poder da coletividade, com objetivos em comum, remove quaisquer obstáculos que possam embotar o progresso e o desenvolvimento do povo e do país, haja vista a força de superação que eles demonstraram possuir perante a destruição sofrida pela segunda guerra mundial, seguida da grande frustração pela perda da milenar crença na divindade do seu próprio imperador, chegando mesmo assim, a tamanho grau de desenvolvimento tecnológico, capaz de influenciar definitivamente a economia mundial, embora seja um país composto apenas por ilhas montanhosas, cercadas por vulcões e sujeitas a tremores de terra em profusão.
Algo que me chamou muito a atenção foi o fato de haver um consenso geral na proibição ao turista de entregar quaisquer tipos de gorjeta, seja nos hotéis, restaurantes, lojas ou demais serviços, já que estive em visita a várias cidades, de norte a sul do país, podendo assim constatar “in loco” esse tipo de procedimento. _O que isso demonstra? É uma ação benéfica ou não? Por quê?
Para nós, os brasileiros, o fato de se dar gorjetas a torto e a direito passou a ser uma espécie de instituição, chegando-se ao ponto até de se incluir uma porcentagem do valor consumido em contas de muitos hotéis e restaurantes, com o nome de “serviços”, o que não deixa de ser uma forma de burlar os preços anunciados a serem cobrados por quilo ou por pessoa, que não incluem esse valor a mais, em detrimento àqueles outros que trabalham de forma transparente, sem o mau hábito de usar a propaganda enganosa como golpe de marketing. Aliás, diga-se de passagem, para mim é difícil aceitar a condição de ser julgado como um tolo, o bastante de me deixar levar pelos “99 centavos”, que aparecem nos preços das mercadorias. _Ora, para com isso.
Outra instituição, que menospreza a nossa inteligência, é a praga do telemarketing, que obriga uns infelizes a cumprirem cotas de vendas por imposição, nos aborrecendo pela insistência estressante e por desrespeito ao nosso direito de escolha e de privacidade, no mais das vezes usando argumentos tão ridículos, que ofendem até nossa parca sapiência – tudo bem que é melhor ouvir besteiras do que ser surdo, porém pra todas as coisas existem limites – o pior nisso tudo é que essa é a melhor forma de nos afastar do produto ou serviço que está sendo oferecido, portanto fica aqui um alerta a esses “marketeiros” de plantão: _Por favor, sejam mais inteligentes ao desenvolverem seus trabalhos, se aquilo que estão oferecendo for realmente interessante e proveitoso para os clientes, a não ser que estejam empurrando “gato por lebre”.
O acontecimento, que me fez desencadear todos esses comentários, nasceu da atitude antiética de um simples entregador de guias telefônicos, argumentando, de forma constrangedora, que os livretos seriam oferecidos gratuitamente, mas que ele aceitaria uma “ajudazinha”, que seria muito bem-vinda. Essa ação indecente, já beirando o achaque, é um verdadeiro desrespeito para com seu próprio patrão, cujo objetivo seria o de servir à população de Araras, oferecendo um guia informativo útil a todos, e que, por essa razão, havia-lhe contratado, naturalmente dando-lhe em troca uma remuneração.
Acredito ter ficado bem evidente as respostas às questões que apresentamos, ou seja, o quanto de impropriedade existe na prática viciosa da gorjeta, assim deixando clara a sabedoria milenar do povo nipônico que, unido, não deixa proliferar negatividades.