Confabulações com um brotinho

Outro dia, voltando de ônibus da faculdade, tive o prazer de travar longas confabulações com um desses brotinhos da vida. Seu nome, Francilene. Basta encontrá-la, assim, num dia triste e tumultuado, para meu coração se esquecer de todos os problemas que me atormentam e me encher dos clichês mais manjados, dos versos mais chifrinhos - versos que trovador algum, nos domínios de seu juízo, ousaria recitar. Diante dela, sou o poeta mais vagabundo, aquele que rima “donzela” com “janela” sem o menor pudor ou discrição.

Ah, é necessário dizer - Francilene tem um indescritível cheiro de donzela debruçada na janela. Mas tem também, e isso são coisas de extrema importância, dois olhos que vêem o mundo com a fascinação de uma criança e uma boca capaz de dizer coisas que deixam todos que a escutam de cabelo em pé, tamanha a obviedade espantosa de suas afirmações. Como, por exemplo, o impublicável segredo que ele me confidenciou, falando baixinho próximo ao meu ouvido.

Esse segredo, já disse – senhores - é impublicável. Prometi guardá-lo a sete chaves e encerrá-lo no mais profundo esquecimento. Não insistam. Os senhores jamais saberão o segredo que Francilene me confidenciou.

No entanto, posso dividir com os senhores, as piadas que Francilene contara ao longo da viagem. Faz-se necessário dizer que as piadas da Frã são as mais infelizes de que se tem notícia. Ninguém conta piada tão mal. E não pensem que ela se envergonha com isso, ao contrário, se orgulha profundamente, afinal, tem sido, por dois anos consecutivos, a campeã isolada do disputadíssimo campeonato de “Pior Piadista da Linha 339” (essa é a linha que pegamos para ir e voltar da faculdade). O seu futuro no ramo de piadas ruins lhe parece promissor e, ao que tudo indica, só tende a piorar.

Um dia desses, contou a comovente piada do pintinho que se chamava Relam. Dizia que Relam era um animalzinho mudo, “o pobre bichinho não piava”. Pensei que isso daria em tragédia. E, curioso, insisti:

- E aí, que aconteceu a esse pobre animalzinho?

- Um belo dia choveu e, para alegria de todos, Relam piou!

Longo silêncio. Olho para Frã com hostilidade e sinto uma vontade irresistível de me lançar para fora ônibus, penso em puxar a alavanca da saída de emergência, qualquer coisa. Mas logo, imediatamente, sou assaltado pelo seu sorriso. Francilene sorri deliciosamente uma sonora gargalhada de brotinho. É um sorriso meigo, com gosto de pudim, e certamente o mais doce que já provei. Um sorriso que me faz desistir de qualquer impulso suicida, um sorriso que nada mais é - se não me engano - a própria fisionomia da vida se abrindo em flor.

Por mais que me esforce, não consigo achar palavras para descrever a enorme ternura que sinto. E como me enche de ternura esses pequenos momentos de confabulação ao lado de Frã! Quanta bobagem! Como se torna bacana o mundo quando sabemos que podemos, a qualquer momento, nos esbarrar com algum brotinho por aí!

O impublicável segredo que ela me confidenciou... Ah, isso não poderei publicar! Afinal de contas, trata-se de um segredo impublicável. Não, definitivamente os senhores jamais saberão sobre o segredo que Frã me confidenciou... Continuem – os senhores – contando vossas cédulas, articulando vosso triste comércio, enriquecendo vossos cofres, e esqueçam, definitivamente esqueçam o segredo de Francilene!

Francilene me confiou um segredo, e para sempre vou guardá-lo.

Não se preocupe Frãzinha: ninguém jamais saberá do nosso segredo, ninguém jamais saberá que as rosas têm espinhos, ninguém jamais saberá que elas têm pólen, só saberão eu, você e, talvez, os beija-flores. Está me ouvindo? Só eu, você e os beija-flores havemos de saber e de se admirar com tão espantosa verdade!

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Alex Canuto de Melo
Enviado por Alex Canuto de Melo em 08/07/2009
Código do texto: T1688423
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