O corredor solitário

Caia-me, pelo rosto, a noite. Era a lua, esplêndida, a banhar-me frente à realidade. A vagar, como antes, deslocava-me absolutamente incerto, destinado à minha casa. Se perguntarem-me quantas vezes cruzei os olhos ao meu lado, não direi um número exato, mas falarei que poucas. Em uma dessas – talvez insignificante, vista por outra vertente – desprendi-me do significado óbvio das coisas, e resolvi olhar além. Era madrugada. Não me recordo especificamente o horário, e nem poderia isso ter valor irrenunciável. Talvez três, ou quem sabe quatro horas da manhã. Dirigia calmo. Talvez tivesse algum pensamento na cabeça quando o vi; não me lembro. Lembro-me que ao olhar para o lado, vi um senhor. Ele, sozinho, corria debaixo da chuva, com uma face enigmática. Como suso disse, poderia ser isso insignificante, se olhado por outro lado; todavia assim não o foi para mim. Aquele senhor, possivelmente estranho (quem corre às 4 da madrugada?), era mais que um solitário corredor, era a esperança. Não de que o mundo se acostume a exercitar-se pela noite (seria uma visão medíocre observar somente essa simplicidade). Era, ele, mais que isso; era, ele, pois, eu - sob outro aspecto. Sou como aquele senhor sob a madrugada. Digo mais: ele é um pouco mais que eu. Sozinho, caminho em meio à multidão. Ele entendeu que sua solidão não necessitava de uma platéia. Mostrou-se a si mesmo. Saiu pela noite; correu. Viu a necessidade do momento de calma consigo mesmo. E viu isso sem precisar andar com um sem número de pessoas. Viu o que eu entendo; fez o que eu entendo, mas não faço. O coração do corredor solitário é a minha vida solitária no coração das pessoas. Sou o corredor solitário, mas nego-me a ser assim. Vivo com as pessoas enquanto vivo em mim mesmo, e sou vil por isso. Parecerá algo sem nexo (talvez tudo assim o seja), entretanto é carregado de significado para mim. Enquanto não tornar-me o corredor solitário que sou, não serei o corredor rodeado que posso ser.