AFINAL, QUEM SOMOS?

AFINAL, QUEM SOMOS ?

Jorge Linhaça

Invariavelmente, em um ou outro momento somos confrontados com perguntas como: Quem é você? Ou ainda : Quem você pensa que é?

A resposta pode sair num rompante , de acordo com a emoção do momento,

podemos nos atribuir valores ou defeitos gritantes de acordo com o nosso estado emocional. No entanto a resposta demanda muito mais reflexão do que esse reflexo imediatista de se responder.

Desde há muito tempo aprendi que não somos aquilo que pensamos ser e não somos aquilo que os outros pensam que somos ( seja esse pensar positivo ou negativo ao nosso respeito ). Somos ao mesmo tempo a sintese de todas essas visões e a essência que nem nós mesmos conhecemos por completo.

Somos reflexos em espelhos retrovisores dos carros da vida. Os que vão à nossa frente podem ver a metade de nossos corpos e mesmo a roupa que vestimos , no entanto os que vem atrás podem apenas ver fragmentos de nosso rosto refletidos no espelho interno ou lateral de nosso veículo.

Mesmo ao nos olharmos inteiros em um espelho, a imagem que vemos não reflete a plena realidade de nosso ser, afinal como todos sabem, os espelhos nos invertem a lateralidade.

Por algum desses motivos da vida, quer seja por inspiração ou por inquietação,

foi-me absolutamente impossível permanecer deitado enquanto refletia sobre estas questões. Talvez seja verdade que os escritores e poetas são seres noturnos. Não importa realmente, o fato é que necessitei por-me a escrever nesta hora avançada quando se dá a trasposição de um dia para o outro.

Tentar definir a mim mesmo é algo mais complexo do que possa parecer, mas isso , por certo, não é uma dificuldade apenas minha. Fosse eu um pintor e talvez trouxesse á luz uma imagem picasseana onde ângulos diferentes de minha face se sobrepusessem numa mistura de cores e formas e onde a minha boca fosse uma mescla de duas máscaras teatrais : a tragédia e a comédia.

Creio ser impossivel falar de mim sem falar de como as pessoas me veem, afinal, em maior ou menos escala, todos somos impactados pelo que ouvimos a nosso respeito. Apesar de sermos os protagonistas na peça teatral de nosas vidas, são os coadjuvantes que marcam o nosso ritmo e posição em cena.

De uma coisa eu tenho certeza, poucos escritores há que se revelam tanto em seus textos quanto eu procuro me revelar. Quanto aos outros eu não sei, mas se me revelo é porque não tenho pretensão de ser mais do que um ser humano, com suas qualidades e defeitos. Esse revelar-me , porém, é uma faca e dois gumes, se por um lado é capaz de servir como parâmetro para alguns, por outro lado sempre há de servir para municiar ataques de outras pessoas.

Com o passar do tempo tornei-me avesso a fazer propaganda de minhas conquistas pessoais, não porque não sejam importantes para mim, muito pelo contrário, mas porque, a bem da verdade, elas não tem grande significado para a maioria das pessoas e acabam por ser interpretadas como auto-promoção.

Já quando as conquistas são fruto de uma coletividade não me furto a partilhar a minha alegria pelas conquistas alcançadas.

Certamente, no decorrer de minha vida, já passei por muitas fases distintas.

Já passei pelo deslumbramento dos aplausos e do reconhecimento do meu trabalho nos vários segmentos aos quais me dediquei.

Já me recolhi das luzes acesas das ribaltas espreitando pela coxia novos talentos a quem ajudei a darem seus primeiros passos.

Confesso que isso muitas vezes me deu maior prazer do que estar diante dos holofotes. Umas poucas vezes trouxe-me a decepção mais adiante.

Muitas vezes em acham arrogante por defender com unhas e dentes aquilo em que acredito mas, se deixamos de defender aquilo em que cremos, o que nos resta?

Não defendo minhas crenças pro arrogância, defendo-as porque é preciso por à prova os nossos pensamentos, nossa visão do mundo e , por que não, as atitudes de nossa sociedade como um todo.

Certa vez um conhecido poeta escreveu-me uma resposta pouco educada quando lhe perguntei por que não respondia aos meus e-mails. Sua maior pérola na ocasião foi dizer que eu era dado a levantar polêmicas e que isso já era motivo suficiente para que ele não quisesse sequer tomar conhecimento do que eu penso ou escrevo.

Fiquei imaginando que tipo de temor poderia eu inspirar àquele senhor

que desde aquela época já vivia escrevendo que o diálogo é uma das maiores virtudes do ser humano. Pareceu-me, desde então, que o que ele escreve e defende enquadra-se bem naquele adágio popular: " Faça o que eu digo mas não faça o que eu faço"

Confesso que me é bastante dificil compreender o medo que as pessoas tem de expor seu pensamento sem maquiagens como se o pensar diferente fosse um crime hediondo e inafiançável. Talvez alguns ainda tragam em si os reflexos da época da ditadura militar e por isso ajam dessa forma de maneira inconsciente.

O mais engraçado é que muitas dessas pessoas que vivenciaram essa época, passam rapidamente ao papel de ditadores quando isso lhes interessa.

Sei que algumas vezes as minhas palavras são bastante contundentes, principalmente quando incorrem na comparação de textos totalmente diversos.

Como se pode querer comparar uma poesia lírica de amor com um texto que aborde questões sociológicas ?

Eu não sei de onde tiraram a idéia de que se alguém é poeta deve ser alienado das questões sociais e políticas, ou que deve falar delas de forma suave e encantadora, como eu disse, não sei de onde tiraram isso, no entanto essa idéia disseminou-se de tal maneira, de tão repetida que é por alguns, que tornou-se quase que um fato na mente de muitas pessoas. Nada mais distante da verdade.

Para quem ainda não percebeu poetas são seres humanos, geralmente mais sensíveis que a maioria. Ser sensível significa ter sensibilidade, e não ser piegas,

é exatamente essa sensibilidade que faz com que os poetas, quando ingressam no caminho da prosa, deixem o lirismo de lado e usem a força de suas palavras para falar da realidade. Não podemos viver num mundo onírico todo o tempo, sejamos poetas, escritores ou leitores. Podemos falar por metáforas, criar mundoa paralelos para tentar passar nossas idéias, podemos dourar a pílula com açucar caramelado, mas muitos não as compreenderão. Se isso era necessário durante oa anos de chumbo onde as letras de músicas combatiam o autotitarismo de forma velada, hoje temos a liberdade ( ou deveriamos ter ) de falar abertamente de nossas inquietações. Nada nos impede a não ser o nosso próprio medo de não sermos aplaudidos.

O conhecimento, assim como as idéias e ideais, não tem valor algum se não forem partilhados. Isso não significa que as pessoas tenham que aceitá-los, se assim fosse, não haveria a pluralidade política ou religiosa , por exemplo.

Sou mais um pessoa cheia de defeitos, às vezes erro, as vezes acerto, no entanto, quando erro não me escondo atrás so silêncio esperando o tempo passar na esperança de que todos o esqueçam. Desculpo-me de meus excessos públicos em público e dos particulares em particular. Se todos agissem assim acredito que teríamos uma sociedade melhor.

Só não esperem de mim que me desculpe por falar o que penso ou que me curve diante de ditadores. Isso jamais.

Nem esperem de mim que, ao ler algo de que discorde, não me manifeste expondo o meu ponto de vista, apenas para não criar o que alguns chamam de polêmicas. Se alguém disser que a terra é chata ou o sol é azul não haverei de ser eu que vou calar-me diante de tais sandices.

As coisas andam tão confusas que já li um poeta dizer que Deus acredita no arrependimento do diabo.

Para quem não conhece as escrituras sagradas ou delas não se interessa, isso por certo passou despercebido entre o lirismo dos seus versos.

Não demora muito e estaremos culpando a Cristo pela queda de Satanás , sob a alegação de que se Cristo não tivesse discordado do plano de Lúcifer o diabo não existiria.

Enfim, cada um é livre para crer e para adorar a quem quiser.

Abraços fraternos

Jorge Linhaça

Arandu, 8 de julho de 2009