Série "Ditados na berlinda" 16: A fé remove montanhas?
Sei que sempre pisamos em terreno minado ao abordarmos assuntos polêmicos, como o é este da fé – polêmico por ser tão individual, e baseado não necessariamente em verdades. Mas experiências recentes me fizeram ver alguns lados dela de que até então não me havia apercebido.
O fato é que acreditamos sempre naquilo em que queremos acreditar, quando não há comprovação de fatos. E isto implica em utilizarmos nossas próprias experiências como óculos para enxergar e escolher aquilo em que queremos acreditar. É então que entra toda a individualidade da fé: normalmente acreditamos naquilo que se coordena com a forma como agimos ou pensamos, ou então que nos faça tomar uma atitude conveniente perante a situação, independente da inverossimilhança do assunto ou de quem nos tenta convencer do que quer que seja. Nessa hora, nem sequer damos ouvidos a essas pessoas, por mais honestas que possam ser: o que importa é em que é mais conveniente acreditar.
Este é o lado negro da fé. Nesse sentido, a fé não apenas remove montanhas, mas pode inclusive destruí-las. Esta fé, que chamarei de crença conveniente, tem o poder de magoar corações, atrapalhar planos, mudar o rumo de vidas. Por isso acho que escolhas baseadas em crenças só são válidas para construir, edificar, elevar; assim, o fanático que amarra bombas em seu corpo crendo apenas em sua própria salvação e não se incomodando com as outras inúmeras vidas que vai destruir, na minha opinião escolheu a crença errada, ou levou a sua até o ponto máximo do egoísmo, que não combina com a fé – pois ela, para mim, tem um caráter religioso.
Recentemente me foi dado ouvir um trecho do Evangelho, acho que de Marcos, e só agora me lembro dele para fazer a associação com minhas recentes experiências acerca da fé. Conta uma passagem em que Cristo, certa feita, foi pregar e fazer seus milagres no próprio local em que cresceu. Todos ali o conheciam, e conheciam sua família, e por isso não conseguiam acreditar que ele tivesse algum poder especial. Era uma pessoa tão comum! ‘De onde vem a sabedoria dele?’, perguntavam. Então Marcos diz que Cristo “... não pôde fazer ali nenhum milagre. Curou apenas alguns doentes, impondo-lhes as mãos. E ficou admirado com a falta de fé deles.” Muito provavelmente tenha advindo daí o outro ditado: santo de casa não faz milagre...
A lição que tiro disto é que não basta que alguém seja verdadeiro em seus princípios ou propósitos: é ainda mais necessário que seja acreditado. Sem a fé, não há milagres possíveis.