Os pés de Belinha

Os pés de Belinha

suzabarbi@hotmail.com

Belinha era linda de morrer.

Conquistava todo mundo que dela se aproximava.

Mas tinha um problema: o pé era feio.

Feio não.

Horroroso.

Ela tinha plena consciência disso.

E complexo também.

Tanto que desde criança nunca calçou uma sandália.

Nunca tirou os sapatos na frente de ninguém.

E mesmo de sapatos, estava sempre de meias.

Não podia correr o risco.

Enquanto criança, isso era tarefa fácil de se fazer.

O duro foi virar adolescente de meias!

O dia que a turma se reunia em sítio para nadar era um suplício para Belinha.

Dava desculpa, dizia estar com cólica.

Mas isso repetidas vezes começou a incomodar a turma.

Surgiram todos os tipos de boatos.

Até de que ela não tinha umbigo!

Aos trancos e barrancos, Belinha conseguiu atravessar a adolescência tampando os pés.

E tornou-se mulher.

Primeiro namorado.

Primeira transa.

De meias.

O namorado estranhou.

Ela enfatizou que aquilo era fetiche.

Ele acreditou e até gostou.

Passados os anos, muitos namorados Belinha acumulou.

Moça bonita, inteligente.

Encantava todo mundo.

A todos, uma desculpa inventava para estar sempre de meias.

Pés gelados, um remédio passado depois da massagem, propensão a cãimbras.

Conheceu Roberto.

Rapaz fino, inteligente, bom partido e bonito.

As amigas diziam ter Belinha tirado a sorte grande.

A primeira vez que ficaram juntos, digamos assim, ele achou lindo ela usar meias.

Sempre fantasiara uma mulher com meias soquetes.

Daí para frente, Belinha sentiu que de verdade tinha tirado a sorte grande.

Caprichava nas cores.

Nos desenhos.

Nas estampas.

Roberto enlouquecia.

Sempre que ficavam juntos, digamos assim, ele adorava brincar de adivinhar a cor da meia da ocasião.

Mas o pesadelo de Belinha começou no dia em que Roberto cismou de querer tirar as meias dela com os dentes.

Belinha pulou mais do que depressa da cama.

E sem querer bateu com o pé no rosto de Roberto que colocou a mão no olho esquerdo e gritou:

- Não se mexa! Perdi minha lente!

Belinha virou estátua enquanto um Roberto de gatinho procurava as lentes tateando o chão.

Ela quis ajudar mas ele estava nervoso demais para aceitar.

- Não consigo enxergar!

- Calma! Vou te ajudar!

- Você já fez o suficiente. Agora fica quieta.

- Ali! Bem ali tem uma coisa brilhando no chão!

- Onde? Eu não enxergo!

- Deixa que eu pego.

- Deixo não! Me fala logo onde!

- Perto do seu pé direito. Aí. Mais para a esquerda. Pronto. Agora abaixa. Estende a mão.

Roberto solta o maior grito.

Tinha acabado de apertar com o dedo um minúsculo caco de vidro no chão.

Ele estava furioso.

E Belinha trêmula.

Sem saber o que fazer.

Com o dedo sangrando, Roberto se deixa cair na cama com ar exaurido.

- Não consigo enxergar sem minhas lentes.

- Mas afinal você não enxerga de perto ou de longe?

- De jeito algum. Uma lente é para perto e a outra é para longe.

- Mas não está enxergando mesmo?

- Tudo embaçado.

- Vem cá, meu lindo. Desculpa. Não fiz por mal. Só levei susto.

- Susto por quê?

- Você me pegou de surpresa, só isso. Quem sabe não começamos de onde paramos?

As amigas estavam certas: ela tinha tirado a sorte grande.

Sem as lentes, Roberto podia tirar suas meias com os dentes, com as mãos, com os pés, com os cotovelos, do jeito que ele quisesse.

Estava salva!