Ele morre de medo de mim

Nunca fomos chegados, mas eu o conheço desde criança. Na adolescência perdi-o de vista, só ouvia notícias de vez em quando. Tinha sido namorado de uma amiga minha. Depois soube que se casou e mudou. O casamento foi com outra, a qual eu jamais tinha visto.

Muito tempo se passou, um dia o encontrei com aquela antiga namorada. Os dois, agora separados, tentavam reavivar o amor do passado. No começo parece que foi bom, não acompanhei de perto, não sei ao certo. Sei é que maduros, não aguentaram o rojão. Separam-se, cada um foi pro seu lado. E nunca mais o vi.

Como a vida é mutante e dá voltas sem parar, de uns anos para cá, vim a conhecer sua ex-mulher, aquela do casamento malogrado. Para o cúmulo da coincidência, nos entendemos muito bem e grandes amigas nos tornamos. Discreta como sou, nunca falei de uma para a outra, muito menos dele, embora soubesse que as duas sabiam.

O pior foi quando me reencontrei com ele, duzentos anos depois, e desconfiei que também já sabia da nossa amizade. Nunca tocamos no assunto, é verdade, mas percebo que ele se retrai toda vez que chega com sua nova mulher em lugares onde estou. Temos amigos em comum. Não há como evitar.

Recentemente, nos encontramos novamente e o que ele mais temia, pelo seu olhar eu via, aconteceu. À mesa preparada para o jantar, ela sentou-se bem a minha frente. Nunca havíamos ficado as duas assim, mais longe dele, foi até engraçado. A moça é simpática, desembaraçada, de modo que a conversa correu descontraída. Nem me lembrei mais dele.

Só na despedida é que notei em seu semblante um certo ar de preocupação. Deve ter pensado: será que elas vão ficar amigas também?... acompanhado de um ###$$$*** intraduzível.