A BICICLETA VERDE
Ele tinha uma bicicleta verde.
Monark, de fabricação antiga.
Que comprou em 1973, numa loja da Capital.
Sua companheira inseparável, de todas as horas.
Onde quer que fosse ia nela: nas quermesses da Matriz, nos casamentos, nos velórios, nos comícios, na farmácia, no açougue, no Correio, no Banco...
Quando entrou para a política, fez campanha montado nela, de rua em rua, casa em casa, noite e dia, tomando cafezinho, ouvindo queixas, pedindo votos.
Eleito vereador, ia para a Câmara com ela, parando aqui e ali, para atender um eleitor. Deixava-a em frente ao prédio, recostada na parede, sob a chuva, que caíra de repente, ou sob o sol implacável de verão.
Foi assim sempre.
Por mais de vinte anos.
Ele revezando-se entre a Câmara, como vereador, e a Prefeitura, como vice-prefeito ou secretário de administração.
Ela conduzindo-o, fiel e incansavelmente.
Os adversários a zombarem dele.
Os partidários a brincarem, exclamando à sua chegada: “Ah, se essa bicicleta falasse!”.
E aquilo que todos achavam impossível aconteceu.
Roubaram sua velha bicicleta.
Que estava encostada no muro sem reboco, próxima ao portão enferrujado, numa noite relampejante e sem luar.
E ele se sentiu triste, os olhos marejados.
E registrou BO na Delegacia.
E pôs nota no jornal, com promessa de recompensa.
E saiu com os amigos a caçá-la nos quintais, nas praças públicas, nos prédios abandonados, nos lotes tomados pelo mato, nas chácaras e fazendas próximas.
Tudo em vão.
Não conseguiram achá-la.
Sem pistas nem suspeitos a Polícia logo desistiu das buscas.
E o caso entrou para o rol dos crimes sem solução, enigmáticos...