O grande valor de uma pequena palavra
A riqueza da língua japonesa na formação das palavras, representadas pelos seus caracteres, é admirável; cada letra “desenhada” tem significados bem marcantes que, quando usadas em conjunto com outras, formam palavras com profundidade de detalhes tais, que nos fascinam.
Embora minhas crônicas não tenham quaisquer objetivos de “doutrinação” religiosa, muitas vezes acabo por entrar em assuntos afins, porque o homem, quando se encontra em um beco sem saída, logo vai à procura de soluções milagrosas para esses encontros com a parede, assim o passo seguinte é o de voltar-se para o Criador, como sendo o último recurso de salvação. Daí então vamos encontrar uma proliferação desordenada de “igrejas”, fundadas por qualquer um que esteja disposto a se profissionalizar, com a autodenominação de pastor, pregador, bispo ou coisa assim, algumas se transformando em verdadeiras potências mercantis, chegando a atuar em muitas áreas de telecomunicações, jornalísticas, políticas e empresariais, atingindo rapidamente até projeção internacional, sempre “em nome do Senhor”. Tudo não passa da exploração da “fé”, que é uma palavra de grande profundeza espiritual, mas que está sendo usada como manobra de “negociações” com Deus, onde o grande culpado não é o pseudoeclesiástico, mas sim os incautos seguidores, que fazem questão de sustentar esses verdadeiros nababos, achando que assim podem “se dar bem” com o Todo-poderoso!
A fé, que em japonês pronuncia-se “shinkoo”, está muito além do ato de se pedir graças a quaisquer tipos de divindades ou a intermediários, que se dizem capazes de “expulsar o mal” que está perseguindo o infeliz, principalmente mediante a entrega de uma polpuda quantia em dinheiro. Essa palavra é composta de dois caracteres: “shin”, que quer dizer crer, acreditar, confiar, respeitar, e “koo”, com o significado de praticar, agir, cumprir, fazer – vejam, portanto, a riqueza dessa pequenina palavra, quando vinda da milenar língua oriental – temos então a definição de fé como sendo não só o ato de se crer em algo poderoso, capaz de nos tirar de enrascadas mil, mas também como trazendo o conceito de oferecimento do nosso tempo, talento e conhecimento, incluindo-se o uso de nossos próprios bens materiais, com a intenção de, sendo útil à Grande Obra, chegarmos a um nível de merecimento suficiente para auferirmos graças. Isso nos dá a idéia perfeita de que, se quisermos comprar algo, temos de possuir numerário suficiente para cobrir o valor. Caso recorramos a empréstimo, da mesma forma teremos que saldar a dívida, acrescida de juros e correção monetária, o que não poderia ser de outra maneira, porque tudo tem seu preço, principalmente quando se trata de assuntos do espírito.
Agora fica claro que ter fé é acreditar que Deus está no comando de tudo, e também que depende das nossas ações altruísticas, para virmos a merecer o recebimento de ocorrências favoráveis a nós - apenas o ato de pedirmos “com fé”, para auferirmos benesses, passa a ser algo “perneta”, que não nos vai levar a lugar nenhum, porque, no caso, estaremos contraindo dívidas espirituais com o Criador, que têm de ser pagas algum dia, sem sabermos como, quando e quanto – isto representa “empurrarmos com a barriga” o problema, que irá voltar mais tarde, sem a mínima dúvida. Não podemos nos esquecer de que o salário que recebemos é o resultado do trabalho que tivermos efetuado, e nunca ao contrário.
A expressão “Eu confio em Deus”, ou pior ainda, “Deus é fiel”, que podemos encontrar em muitos lugares, não passa de algo ridículo, alienado e herético, porque demonstra a total ignorância do que representa a palavra fé, pois a verdade seria estar à altura de poder dizer: “Deus confia em mim”, ou então “Eu sou fiel a Deus”, aí sim estaríamos agindo de acordo com o shinkoo. _Realmente, hoje tudo se encontra de ponta-cabeça, principalmente no que se refira à religião – o resultado está bem à nossa frente, por isso não consigo entender por que apenas uma pequena minoria alcança o nível de conhecimento de tal verdade, sendo que milhões frequentam igrejas, muitos não largam da Bíblia, e as ocorrências continuam cada vez mais abomináveis, muitas vezes com o envolvimento de religiosos!