Jardim Hollywood
Um, dois, três degraus tem pra subir no ônibus.
- Motorista, vai pro o Baeta?
- Vai sim. – os motoristas são sempre muito breves nas respostas e sempre balançam a cabeça gesticulado junto com a resposta. Há algumas pessoas, mas nem ta tão lotado, vai dar até pra escolher lugar. Olhei para o fundo e vi um lugar vazio, no último banco ao lado da janela direita, paguei a passagem e passei a catraca.
- Da licença, da licença! – odeio ônibus lotado, principalmente aqueles pequenos que o motorista é cobrador, mas dessa vez não vou ter do que reclamar, porque ele é grande, ta vazio e o cobrador têm cara de cobrador, com bigode e tudo, muito engraçado, mas mesmo assim tem uns tontos que levantam duzentos mil pontos antes do que realmente tem que descer, congestionando o corredor, isso me deixa fulo da vida. O percurso nem é tão demorado, mas pra mim é mais que suficiente pra qualquer coisa tomar conta da minha cabeça. Estranho que algumas casas têm o mesmo portão que a minha tinha. Lembra infância ou outra coisa qualquer que eu nem queria lembrar. Ta chovendo e eu nem tenho guarda-chuva. – pelo menos aqui dentro não chove. É engraçado passar por lugares que te trazem lembranças boas e nostálgicas feito uma exposição de artes. Essas coisas sempre me deixam na pior, no duro mesmo. Eu mal vi o tempo passar, e tinha uma placa de indicação na pista. – aquelas placas verdes ou azuis. Tava indicando que o retorno pro bairro Hollywood era pela direita. Ah! Se fosse só querer. Se fosse como eu penso que poderia ser. Ou só se a linha do ônibus passasse em frente à moradia dela e eu conseguisse espiá-la só de relance. Ela lá na sacada do último andar, tomando uma brisa no rosto, penteando o cabelo feito a Rapunzel, se entretendo enquanto estaria me esperando. Esperando o príncipe pra salva-lá dos seus medos, do seu castelo de areia. – eu gosto tanto de você desde a primeira vez que te vi na janela. – seria a primeira coisa que diria, após escalar o castelo e chegar à sua janela. – ta, com certeza eu tocaria o interfone, ela abriria a porta pra eu poder pegar o elevador até o andar onde ela mora. – estranho que por mais que estenda meus braços eu não posso tocar o certo que é incerto do acaso que não foi. Estranho e engraçado. Pena que não foi. Pena dos corvos que rodeiam e se alimentam dessa carne, dor estranha de perda do que nunca se teve. Pena que suja. Negra, feito penumbra, igualmente a solidão. Não consigo esconder que estou cansado demais pra lutar contra tantos dragões, dessa vez não posso salvar, dessa vez preciso ser salvo. – o que será que ela diria, se eu dissesse isso tudo? É eu não vou saber nunca, no próximo ponto tenho que descer.