Atos & fatos 1: Os sobreviventes dos Andes.

No dia 13 de Outubro de 1972, uma bonita manhã de sol hospedava o embarque de 45 passageiros em um avião da Força Aérea uruguaia que terminaria, no mesmo dia, sem sol algum. Uma falha no motor da aeronave ocasionou o acidente que mataria instantaneamente 21 pessoas e deixaria outras 24 em absoluto desamparo em meio às nevascas das cordilheiras dos Andes.

Destes 24 resistentes à queda do avião, oito seriam soterrados em um deslizamento de neve logo nos primeiros dias. Os 16 restantes entrariam para a história, conhecidos como os "sobreviventes dos Andes". Membros de um time de rugby do Uruguai chamado "Old Christians", que viajavam para disputa de um torneio amistoso, tiveram de fugir da morte por longos 69 dias de luta contra terríveis adversidades. Parte dos mantimentos presentes no estoque do avião foi inutilizada na queda, e o que sobrou não durou muito. Ao mesmo tempo que o estoque de comida e líquidos se encerrava, captaram através de um rádio ligado à bateria restante da aeronave a notícia de que o exército dava por encerrada as buscas das vítimas, sem mais esperanças.

Derretendo a neve com um isqueiro de um dos sobreviventes e com o calor do sol dentro de uma barraca, conseguiam o mínimo de água (geladíssima) para não morrer de desidratação. Mas não havia forma alguma de se obter alimentos. Isolados entre as montanhas sem animais ou plantas, viram como única alternativa de sobrevivência o consumo da carne humana dos companheiros já falecidos. Tantos os corpos dos vitimados no instante da queda quanto aqueles soterrados por uma avalanche estavam mantidos em estado de congelamento. A carne de seus corpos, rica em proteínas, estava intacta.

Para melhor se aproximar da carne consumida normalmente em nossas refeições, pequenas tirinhas de músculo cortadas do abdômen e do tórax dos mortos eram pendurados num varal para que o frio extremo os "fritasse" em ressecamento. Até o último dia de isolamento, este foi o cardápio dos sobreviventes, que a cada anoitecer não sabiam se no dia seguinte comeriam carne ou seriam a própria comida.

Resgatados por helicópteros após encontrarem um camponês durante intermináveis dias de caminhadas, foram levados ao aeroporto de Santiago para que então pudessem retornar ao Uruguai.

Conta-se que no vôo que conduziu Roberto Canessa (um dos sobreviventes) ao seu lar, um inexperiente jornalista que já estava ciente dos ocorridos durante o isolamento aproximou-se de sua poltrona e comentou:

- Sr. Canessa, falei com sua família e estão todos muito felizes com o seu retorno. Lhe aguardam com um esplendoroso assado (o churrasco uruguaio)!

Dando-se conta da terrível gafe que acabara de cometer, o jornalista desligou o seu gravador com as mãos trêmulas. Canessa, percebendo o constrangimento do jovem, abriu o primeiro sorriso desde o acidente e, com um tapinha em seu ombro, disse-lhe:

- Vou ficar só na saladinha.

Serenidade não tem preço - nem hora.