"Airbus-iness", mas, a que preço?
Quanto vale uma aeronave?
Acompanho com profundo pesar a dor que cala fundo no seio das famílias, cujos entes queridos tiveram as vidas ceifadas no trágico acidente do vôo AFF-447. As causas continuam desafiando a imaginação dos que choram seus mortos e de tantos quantos por eles se compadecem. No entanto, com base nas notícias publicadas nos últimos dias, isto parace ter sido relegado a enfoque de segundo plano: neste cenário, às vítimas teriam atribuído o papel de atores coadjuvantes.
A Air France, a Airbus e os países que integram o consórcio de contrução da aeronave se apressam, desde pronto, a efetuar projeções numéricas: em que medida contratos firmados, encomendas, compromissos fechados, promessas de aquisição, cartas de intenção no sensível mercado aeronáutico poderiam ser comprometidos? Até quanto e até quando a tragédia seria um risco, no sentido de drenar a demanda de mão de obra especializada, agravando as estatísticas relativas ao desemprego no velho continente? Qual seria o impacto junto aos negócios que orbitam a indústria aeronáutica? Em suma, como a triste ocorrência afetaria os interesses econômicos europeus, sobretudo em meio à crise hoje instalada em escala global, na hipótese de que se constatem falhas técnicas, fatais, naquele modelo de avião da Airbus?
O que se noticia atualmente evidencia dura verdade: ganhos materiais se sobrepoem às perdas humanas; é o que se abstrai desde a divulgação do ocorrido. Recordo-me de que, para as companhias implicadas no acidente, encontrar a caixa preta era (e permanece sendo) a prioridade. Tenho sérias dúvidas se a elucidação do caso seria a real justificativa àquela estratégia francesa adotada. Suspeito de que, sabedoras das dificuldades - ou da total impossibilidade - de se recuperar dito equipamento, as partes envolvidas viram aí argumento para se permitirem estender o tempo ao sabor de suas conveniências, e, assim: serenar os ânimos de familiares dos desaparecidos, no que toca suas legítimas reivindicações; desmobilizar a mídia, remetendo o "imbroglio" ao esquecimento popular; e assegurar serenidade bastante para gerar subsídios que melhor consubstanciem seus respectivos argumentos na arena jurídica, com o fim de minimizar prejuízos decorrentes das falhas que, mais dias, menos dias, hão de vir à tona.
Neste espírito, entendem-se as sucessivas respostas evasivas de representantes franceses, ao serem confrontados com as muitas questões ligadas à queda daquele aparelho, que resultou no mergulho sem retorno de seus passageiros. A defesa dos interesses materiais poderia até ser relevada, não fosse tamanha agressivida do lado francês, a ponto de tentar denegrir os procedimentos dos serviços de controle aéreo brasileiro, impingindo-lhe culpabilidade parcial - aparentemente infundada - com o intuito de desviar o eixo da atenção, no que diz respeito a aspectos comprometedores e suas reais origens. Surpreendente tem sido esta atitude, que passa longe, mui distante do tolerável, admissível e palatável; todo o mundo acompanhou a célere, correta e relevante atuação brasileira desde a decolagem do vôo da Air France, confirmada no decorrer dos dias que se seguiram ao fatídico episódio.
Mas, afinal, quanto vale a vida?