Voltar aos dezessete

 
                              “Volver a los diecisiete después de vivir un siglo
                          Es como descifrar signos sin ser sabio competente,
                         Volver a ser de repente tan frágil como un segundo
                        Volver a sentir profundo como un niño frente a Dios
                              Eso es lo que siento yo en este instante fecundo.”

                            
                                                                          Violeta Parra


 
          Fátima é amiga minha que foi colega de faculdade há trinta anos. Dividimos as carteiras acadêmicas na PUC de São Paulo no final da década de setenta. Apesar de não nos vermos pessoalmente faz tempo – falha minha, que virei um ermitão – vez por outra, ainda, mantemos contato virtual, desde que ela encontrou-me no Orkut. Em seu último contato, mandou-me um e-mail com uma foto que tiramos junto a outros colegas nas rampas da universidade. Naquela ocasião estava eu por completar dezoito anos.
 
          E como a memória é a única máquina do tempo disponível, inevitável que eu tenha nela me lançado para recuperar as reminiscências de meus dezessete anos.
 
          Olhei para a foto e procurei atrás dos óculos que usava aquele brilho de esperança inquebrantável que a juventude e a ingenuidade deixam plantado nos olhos. Tentei decifrar os sonhos e projetos que o sorriso rasgado denunciava na expressão. Dei graças à falta de nitidez da imagem por não evidenciar as espinhas que me fartavam na face.
 
          Ah se eu pudesse voltar àquele instante e dizer ao jovem que fui os conselhos que me faltaram, ou que, se não faltaram, não foram devidamente repisados com a ênfase devida. Eu sentia, naquela época, que poderia consumir a vida como quem engole um boi inteiro. Entretanto, a vida tratou de mostrar-me, com o passar dos eventos, que somente a ingestão de um bovino em bifes é que não causa a inevitável indigestão de alguns arrependimentos.
 
          Contudo, creio que essa repentina nostalgia embaçou indevidamente as luzes do que enfim se consumou nesta vida. Afinal, o púbere prodígio que está retratado naquela imagem mal poderia sonhar com a vivência que se seguiu depois daquele momento. Se não foi de todo venturosa, certamente, não padeceu pela falta de boas doses de aventura, com muita paixão, muita conquista e muito aprendizado.
 
          Essa experiência só seria completa se fosse possível remeter ao passado uma foto minha atual, para que o rapazote pudesse fazer seu próprio juízo a respeito do resultado do que estava por vir a fazer. Creio que ele pensaria, mesmo assim, que correr alguns riscos faz parte da construção do sucesso. Pena que nenhuma foto possa traduzir esse arrojo, que é o traço comum que marcou, marca e há de marcar todas as épocas de minha vida.