Em cada esquina,
um do nordeste
São Paulo acordou, hoje, com a cara de São Paulo. Pretendo dizer que a "desvairada paulicéia", na qual me encontro, faz alguns dias, acordou envolta por uma densa e cruciante garoa, depois de uma madrugada silenciosa e fria. Silêncio quebrado, apenas, pelos gritos de um corintiano notívago ainda comemorando a vitória do seu timão.
Protegido, da cabeça aos pés, por meu perfumado cobertor, lembrei-me, a noite toda, dos mendigos que vira procurando abrigo sob o minhocão quando, por volta da meia-noite, voltava eu de uma cantante cantina do Bexiga.
Neste momento, já com o dia clareando, da minha janela, no décimo andar, só enxergo as silhuetas dos edifícios; e assim mesmo dos edifícios mais próximos. Os mais distantes estão perdidos no horizonte sem linha.
Mas devo sair daqui a pouco. Tenho um encontro marcado com amigos em um shopping da cidade. Os shoppings são os locais preferidos dos paulistanos sem céu, sem sol e sem mar...
Convidaram-me, eles, para uma rodada de chope, indiferentes à neblina perfurante que, desde cedo, castiga, inclemente, essa assanhada e delirante Sampa.
Aqui pra nós: estou indo a força. Não conseguira convencer os amigos de que o encontro num bar boêmio de Vila Madalena seria mais aconchegante.
Enquanto faço a barba, ouço rádio. Os locutores aconselham o uso de pullover, de capa e de guarda-chuva. Abomino roupas de frio. Sinto um descomunal desconforto só em pensar que serei forçado a usá-las em algum momento.
Mas aceitei o convite. Logo mais, estarei no shopping escolhido pelos amigos tentando aquecer o corpo e a alma nas tulipas e mais tulipas de chope, que me disseram ser o melhor da praça.
Pronto. Saí do elevador e de casa com as mãos enfiadas nos bolsos de minha calça e enfrentando bravamente a garoa. Atravessei a rua e peguei o primeiro táxi. Descobri que o motorista era cearense; meu conterrâneo.
E aí o papo rolou solto sobre o rio Jaguaribe, sobre o padre Cícero Romão Batista, sobre a galinha do Quixadá, sobre as frutas saborosas de Baturité, sobre o açude do Orós, sobre o frio de Guaramiranga e sobre São Francisco de Canindé. Despedi-me dele, ele me contando sua história, e sem querer cobrar a corrida. Não aceitei a gentileza e ainda dispensei o troco.
São Paulo nordestina! Em cada esquina, um do nordeste. São porteiros, seguranças, zeladores, vigias, garçons nascidos no Ceará, na Paraíba, em Pernambuco, no Piauí, em Sergipe e nas Alagoas. Me emociono quando ouço suas histórias... Eles, sim, honram o seu (nosso) nordeste. Ganham honestamente o pão de cada dia, sem paletó e gravata.
(São Paulo, 4.7.2009)
um do nordeste
São Paulo acordou, hoje, com a cara de São Paulo. Pretendo dizer que a "desvairada paulicéia", na qual me encontro, faz alguns dias, acordou envolta por uma densa e cruciante garoa, depois de uma madrugada silenciosa e fria. Silêncio quebrado, apenas, pelos gritos de um corintiano notívago ainda comemorando a vitória do seu timão.
Protegido, da cabeça aos pés, por meu perfumado cobertor, lembrei-me, a noite toda, dos mendigos que vira procurando abrigo sob o minhocão quando, por volta da meia-noite, voltava eu de uma cantante cantina do Bexiga.
Neste momento, já com o dia clareando, da minha janela, no décimo andar, só enxergo as silhuetas dos edifícios; e assim mesmo dos edifícios mais próximos. Os mais distantes estão perdidos no horizonte sem linha.
Mas devo sair daqui a pouco. Tenho um encontro marcado com amigos em um shopping da cidade. Os shoppings são os locais preferidos dos paulistanos sem céu, sem sol e sem mar...
Convidaram-me, eles, para uma rodada de chope, indiferentes à neblina perfurante que, desde cedo, castiga, inclemente, essa assanhada e delirante Sampa.
Aqui pra nós: estou indo a força. Não conseguira convencer os amigos de que o encontro num bar boêmio de Vila Madalena seria mais aconchegante.
Enquanto faço a barba, ouço rádio. Os locutores aconselham o uso de pullover, de capa e de guarda-chuva. Abomino roupas de frio. Sinto um descomunal desconforto só em pensar que serei forçado a usá-las em algum momento.
Mas aceitei o convite. Logo mais, estarei no shopping escolhido pelos amigos tentando aquecer o corpo e a alma nas tulipas e mais tulipas de chope, que me disseram ser o melhor da praça.
Pronto. Saí do elevador e de casa com as mãos enfiadas nos bolsos de minha calça e enfrentando bravamente a garoa. Atravessei a rua e peguei o primeiro táxi. Descobri que o motorista era cearense; meu conterrâneo.
E aí o papo rolou solto sobre o rio Jaguaribe, sobre o padre Cícero Romão Batista, sobre a galinha do Quixadá, sobre as frutas saborosas de Baturité, sobre o açude do Orós, sobre o frio de Guaramiranga e sobre São Francisco de Canindé. Despedi-me dele, ele me contando sua história, e sem querer cobrar a corrida. Não aceitei a gentileza e ainda dispensei o troco.
São Paulo nordestina! Em cada esquina, um do nordeste. São porteiros, seguranças, zeladores, vigias, garçons nascidos no Ceará, na Paraíba, em Pernambuco, no Piauí, em Sergipe e nas Alagoas. Me emociono quando ouço suas histórias... Eles, sim, honram o seu (nosso) nordeste. Ganham honestamente o pão de cada dia, sem paletó e gravata.
(São Paulo, 4.7.2009)