O desabafo
Na sua própria casa, a mulher vê entrar pessoas que a odeiam declaradamente: a primeira esposa do seu marido, uma criatura de voz grossa e assexuada, que não saiu dos seus ouvidos desde o dia que a ouviu, naquele hospital. E ouve novamente a voz dizer-lhe:
-Saia desta casa! O marido a olha indiferente, enquanto a outra repete a ordem aos berros.
-Saia já desta casa!
Diante do olhar dele, ela não vê outra alternativa e começa a dirigir-se para a porta de saída. É atropelada pelo resto da família que entra carregando nas mãos jarros, toalhas, pratos e copos. Estão todos bem vestidos, como para uma festa. Trazem flores, plantas e sorriem debochadamente. Os filhos daquela mulher, os filhos do seu marido!
Ao passar pela porta, é apertada como se estivesse saindo de um elevador lotado. Obrigada a sentir o perfume daquelas pessoas.
Parado no jardim ele a olha mudo. Aquela é a casa onde os dois viveram!
A mulher passa por ele, ainda ouvindo as gargalhadas dos invasores e segue para a rua.
Só então, ela se dá conta daquela costumeira atitude desleal dele, e volta.
Grita contra ele, cara a cara, os palavrões que lhe vem à mente, a partir de cafajeste, até a exaustão do vocabulário e do fôlego.
Acorda aliviada! Finalmente conseguiu dizer o que pensa! Foi só um pesadelo, mas valeu o desabafo.