SUKITA ENVENENADA
SUKITA ENVENENADA
Gosto tanto de estudar que já estava me ressentindo de, este ano, formalmente, eu não estar sendo desafiada para tal. De repente, ofereceram-me aulas de Filosofia e Ética, dois assuntos que não cheguei a estudar durante a graduação e explico o porquê: cursei Letras de 1976 a 1979, anos em que a Ditadura Militar baniu das universidades e faculdades as “-IAS” (FilosofIA, AntropologIA, SociologIA), deixando apenas a PsicologIA, com conteúdos voltados para área de...imagine...genética!
Adivinha por que os governantes fizeram isso! Sabe aquela história de que “a manada cega é mais fácil de ser conduzida”? Captou a razão? Não? Vamos raciocinar juntos: considerando que essas matérias botam um bocado de caraminholas na cabeça do sujeito, você acha que, naquele período, o governo preferia gente tapada ou pessoas que soubessem pensar e questionar alguma coisa?
Bem, se alguém esperava que esse episódio iria aleijar minha formação profissional, se pocou: eu as descobri durante as especializações que fiz e me encantei, principalmente, pela Filosofia. Exatamente por isso, não hesitei em pegar as aulas que me foram oferecidas e, de lá para cá, estou muito feliz por ter, juntamente com meus alunos, ampliado bastante os meus conhecimentos.
Nestes três últimos meses, eu e meus meninos do curso de Comunicação Social, Publicidade e Propaganda, nos divertimos bastante, partindo de Homero com “Odisseia” e “Ilíada”, passando por Sófocles e as tragédias de “Édipo Rei” e “Antígona”, avançando pelos filósofos pré-socráticos, até chegarmos aos sofistas, a Sócrates, Aristóteles, Maquiavel, Kant e Nietzsche.
Nossa crônica de hoje tem como “pano de fundo” o “cara” que teria dito: “Conheça-te a ti mesmo” e “Eu só sei que nada sei”. Sabe quem? Isso mesmo: Sócrates! O termo negritado justifica-se porque tudo o que sabemos sobre este filósofo nos é relatado pelo seu discípulo Platão, já que seu mestre nada deixou escrito.
Autor do Método Maiêutico (termo que sugere “parir” idéias), Sócrates nos diz que a descoberta da verdade ou do dever moral vem do interior do homem, de sua faculdade racional, de sua consciência. Para ele tudo é passível de dúvidas e questionamentos, portanto para descobrirmos nossa própria identidade precisamos de admitir nossa ignorância.
Falar uns negócios desses numa época em que os gregos eram politeístas e valorizavam o vigor físico, a saúde e a beleza (basta olhar os corpos “sarados” das esculturas gregas para se entender melhor) desagradou muito as autoridades. Assim, ele acabou sendo preso (acusado de “impiedade” -por não acreditar nos deuses da tradição- e de “corrupção da juventude”) e condenado à morte.
Sócrates poderia dizer que “não era bem assim”, que ele se enganara, poderia tentar fugir... mas como era um sujeito muito sério, entendeu que se dessa forma procedesse, estaria negando suas crenças ou dando um péssimo exemplo de desobediência civil. O danado preferiu aceitar o cálice de cicuta (potente veneno) que lhe ofereceram, bebê-lo de um só trago e morrer.
Certa noite, eu discorria sobre as idéias de Aristóteles, exatamente sobre o ponto em que ele prega que “a função do homem é não se render às paixões e aos vícios, mas controlá-los por meio de sua parte racional”, quando uma aluna, sem mais nem menos, interrompeu minha explicação e perguntou:
- Professora, esse aí é aquele que morreu bebendo Sukita? Imediatamente eu e a turma começamos a rir sem parar, por dois motivos:
a) Aristóteles nasceu 15 anos após a morte de Sócrates.
b) Será que alguém já pensara em inventar o refrigerante Sukita em 399 a.C, ano em que Sócrates morreu?
Sabe o que eu respondi? Cicuta, querida! Cicuta!