O VELHO CASARÃO.
Fiquei um pouco reflexivo quando vi aquela figura quase centenária lá de longe, pois há muito tempo não vinha naquele lugar. Passou pela minha cabeça aquele filme que sempre se desenvolve em nossa mente criativa e passei a enxergar aquele velho casarão como se fosse alguém da família, um avô, um tataravô, alguém que viveu no passado e que nos trouxe tanto ensinamento e tanta alegria. Não me contive e tive de me aproximar, pois alguma coisa me chamava como se fosse um vento que zunia nos meus ouvidos e me impulsionava a fazer uma visita. Esse foi o primeiro impulso que se apossou do meu peito. Não resisti. Comecei a caminhar pela invernada, com medo de cobras ou outros bichos peçonhentos, mas não parava, progredia na minha caminhada, mesmo com todos os receios que surgiam em mim.
Velho casarão que deixou saudade, que até hoje se encontra erguido numa savana sem eira nem beira, constituiu-se numa velha lembrança pelos seus feitos do passado, mas que continua robusto, inclinado pelo tempo - é verdade – mas teimoso pela galhardia da sua constituição, feito com cobertura de tabuinhas de peroba, que resistem ao sol e a chuva, enrugadas pelas intempéries, com ervas daninhas que se agrupam na sua base, com trepadeiras que se arriscam nas alturas á procura do sol. Com janelas destruídas pelos ventos. Com portas que se lascaram pela oscilação das tempestades. Sem pintura. Com uma cor fosca pintada com as tintas do esquecimento.
Cheguei com um nó na garganta. Olhei para sua figura única no meio de tanto mato. Vi que até o gado se refugiava nas suas sombras e nos paredões de proteção que você ainda mantém imponente. As macegas de capim se instalaram nas suas entranhas. Seu piso de chão endurecido ainda preserva a teimosia de sua resistência, pois ali nada nasceu; preservou-se para as lembranças daqueles que o pisotearam nas épocas de festanças. As lagartixas se alongam e se refugiam nos buracos que cavaram no seu solo. Ali fazem suas moradas, porque sabem que terão maior alimentação dos insetos curiosos que se aproximam para lamber suas paredes oleosas que ainda mantém o pretume do petróleo queimado que lhe serviu de pele contra o as águas das chuvas.
Sua figura exponencial continua a relutar para manter sua formosura de outrora, pois ainda preserva toda aquela vegetação auxiliar que lhe dava ares de uma construção sofisticada do tempo imperial. Os roseirais continuam dando suas flores, com a única ressalva de que não são mais as exclusividades do lugar, pois hoje se escondem sobre as folhagens das ervas daninhas que se encarregaram de ofuscar sua beleza. As ramadas de uma planta ornamental, plantada com tanto carinho pela matriarca da família, também insiste em manter-se firme no seu propósito de sobrevivência, mas a coitada está desgastada pela invasão da capoeira que é a nova habitante do lugar, assim suas folhas estão amareladas e se rareando com o tempo, mas mantém robustas suas ramas, que se multiplicam pelos ares da redondeza e nessa investida vingativa, dá nova linhagem na vegetação, pois seus galhos foram se distanciando capoeira à dentro e se instalaram sob a copa das árvores do cerrado, criando uma guerra entre a vegetação nativa e sua natureza de folhagem ornamental.
Vi que nem as coisas que nos servem de abrigo escapam da rudeza do tempo. Nossa falência como ser finito está impregnada nas coisas que nos rodeiam. Disse o poeta Paulo Afonso Ramos: “O velho casarão enxovalhado inerte, guarda as memórias em segredo e o vento muda as folhas caídas atira uma poeira centenária numa afronta banal de quem inveja a solidez do espaço erguido e firme…O velho casarão sábio deixa-se iludir…".Assim, as rusgas que aparecem em nossa pele, também se projetam nas coisas, por mais resistentes que tivessem sido um dia. Hoje o casarão não ostenta mais aquele orgulho das paradas, quando ali se aprochegavam os viajantes para pedir um abrigo nas suas inúmeras adjacências (que nem sequer existem mais). Só ele permanece esguio e teima em manter-se levantado, como se resistindo à sua natureza falível. Deixa-se iludir, pois somente o mato verde e os passarinhos da região lhe pedem morada.
Mas não quero deixá-lo só. Pelos menos nestes instantes de contemplação, quero lhe dirigir a palavra, embora nunca o tenha notado como o faço agora. Você está velho e foi a alegria do meu avô no passado. Quando criança você me acolheu e me abrigou do frio, das chuvas e das noites aterrorizantes quando eu tinha medo de saci-pererê e dos bichos do mato que uivavam nas redondezas. Lembro que você estalava, balançava, deixava-me atônito com o barulho agudo da tempestade, mas nunca deixou que caísse em mim uma só gotinha daquela chuva. Por vezes, sua companhia me seguia pela madrugada, enchendo-se de fumaça que chamuscava o seu teto, mas suportava as lamparinas que ficavam acesas horas a fio. Por vezes, na minha vida de traquinagem eu lhe feria com lâmina querendo escrever nomes nas suas entranhas. Rabisquei sua beleza natural com pedaços de carvão. Você não reclamou, mas vejo que não fui feliz nessa proeza de moleque, pois hoje você me mostra que não foi do seu agrado, pois se encarregou de varrer meus vestígios das suas paredes que agora estão cheias de limos e de sujeiras vindas do descaso de quem lhe abandonou. Você até cedeu parte do seu todo, emprestando aos meninos da região um espaço para a pré-escola e foi aqui que aprendi o ABCD e a tabuada. Sou doutor graças à sua morada!.
Oh, Velho Casarão!!! Fui tão injusto com você, por não me lembrar que você existia quando estava tão longe! Mas, agradeço a Deus por me fazer acordar. Logo que aqui cheguei eu o vi lá daquela distância (onde as pessoa vivem agora) e pude dimensionar a sua grandeza. Você está velho, mas ainda é altivo e marcante. Nem suas paredes marcadas pela velhice lhe retiram sua história. Ela se reflete no meu pensamento através de um sentimento de nostalgia, irradiando emoção por todos os poros de meu corpo. Dá aquele friozinho na barriga. Meu coração se aperta! Fico refém de tantas lembranças que só você me faz viver.