29/08/2006 23:47
A ESCOLINHA DAS GASPAR
Feche os olhos por um instante:
Agora tente imaginar uma estradinha de mato.Às margens:amoras silvestres,jaboticabeiras, árvores gigantescas apinhadas de ninhos.
Imagine um bando de meninos fazendo êste percurso alheios aos problemas,porque são crianças! Levam nas mãos, pares de sapatos e os pés descalços vão alternando-se;ora pisando o lamaçal,chafurdando no atoleiro;ora purificando-se no fio de água limpinha que escorre no cascalho pelas laterais da estrada.
Anda pelo ar um cheiro de mato,de terra molhada.Anda pelo caminho uma ternura quase inocente,uma alegria coletiva,de guarda-pós enlameados,pés descalços e corações ingênuos.
O trajeto é longo e ao final da ladeira,atrás de alguns arbustos,como se fôra um oásis,plantada no meio da mata:uma escola!...Uma bela escola!...Dois compartimentos unidos por um pavilhão com piso de tijolos.À esquerda,a sala de aula.À direita,a moradia das mestras.Na alvura das paredes sobressaem janelas verdes abrindo-se para um mundo de cores. Palmas,margaridas e ipês,dão recados floridos de jardim bem cuidado.Ao fundo,um campinho de futebol,improvisado,o pomar e... mais jaboticabeiras,amoras e tantas outras frutas.
Ainda que pareça história, ela existiu de verdade.Era a escola do Posto Agro Pecuário,o "Fomento",como denomivava-se.A princípio fôra criada para alfabetizar filhos de funcionários daquêle órgão do governo,depois abrira-se oportunidade para que outras crianças também pudessem ali estudar.
Eu tive a grata satisfação de pertencer ao bando dos "pés descalços" que cruzavam os bem cuidados portais do "Fomento" à caminho da escola encantada.
Permitam-me chamá-la carinhosamente de "Escola das Gaspar".
Diva,Maria e Guiomar" (as duas últimas de saudosas memórias),residiam naquêle estabelecimento.Abnegadas criaturas que costumavam deixar o lado profissional na maioria da vezes anular-se para que o humano e afetivo dessem vazão à grandeza de que dispunham.
Assim, tratados com tanto carinho , o aconchego daquêle ambiente nos seduzia.
Das muitas lembranças que ainda guardo,retomo as manhãs de sábados quando uniam-se os dois períodos e as aulas aconteciam num tom de euforia. Invernos "bravos", as carteiras escolares espalhavam-se no pátio e as aulas ocorriam ao ar livre.Sobras de minuanos vindas dos pampas gaúcho viravam folhas de cadernos,congelavam pontas de dedos e , embrutecidas, acabavam cedendo espaço ao "quentinho" daquêles sóis que nos afagavam.
Chuvas de verão.Aportávamos encharcados sob o pavilhão da escola. improvisavam-se camisas e outras peças de vestuário para que nos trocássemos.Pequenos e singelos gestos que marcaram momentos e ficaram registrados para sempre na memória de nossos melhores dias.
E o futebol na hora do recreio? Diva,a mestra, no gol.O restante da equipe num esforço concentrado para que a bola fosse parar debaixo das mimoseiras de seu "Jejé".
Patriarca da família fotógrafo,grande conhecedor de plantas.Era de suas mãos que brotavam arvoredos no pomar e flores no jardim. Vez e outra empunhava um violino e acordes suaves,nostálgicos,iam-se embrenhando na placidez das tardes.
O tempo passa,restam lembranças;e bem mais que meros saudosismos,divagações de um tempo bonito,terno,formador de condutas.
A saudade convidou-me um dia à retornar pra lá.Convite aceito,o adulto de então, quase perdera o rumo na estradinha lamaçenta do menino de outrora. A ânsia de chegar ofuscou-lhe a visão,e o vislumbre de amoras silvestres ou fio de água limpinha escorrendo cascalho à fora.,tornaram-se apenas pequenos detalhes.
Coisinhas corriqueiras , pouco enquadráveis ao mundo agitado dos dias de hoje.(O tempo urge!...A vida corre!...)
Razões que só o progresso (?) explica,demoliram a antiga edificação.
Um incontido sentimento de perda,de desolação,acometera-lhe.
Na tarde cinzenta daquele domingo,em meio à caliça, a fragilidade de uma haste sustentava a singeleza de uma flor abrindo-se entre os escombros.
Das mãos de "Jejé",tudo o que restara era
o afetuoso aceno da última remanescente da "Escolinha das Gaspar".