O amor sobreviverá?

Não sei que mania é essa de estudar o comportamento das pessoas ao meu redor.

Em um local público, distraída reparei em uma pessoa sozinha; olhei para o lado e vi mais duas pessoas sozinhas; então virei o rosto vi duas pessoas conversando perto de mim, rindo animadamente, uma falava que tinha ido morar sozinha e a outro disse que não via a hora de poder ir viver sozinha também. Depois desse evento andei pensando muito, levantando conjecturas sobre a importância das pessoas em nossa vida.

Em vez de olhar para a vida de pessoas que eu nem conheço resolvi tirar a prova disso no meu próprio convívio social e me assustei ao perceber o quanto as relações tem se tornado cada dia mais descartáveis.

Na faculdade um grupo de quatro amigos inseparáveis. Três moças e um rapaz. O rapaz começou a namorar uma das moças que era possessivamente ciumenta ao ponto de desconfiar das próprias amigas. Seu ciúme foi tanto que aos poucos e sem dizer nada foi conseguindo afastar o rapaz das outras duas amigas, que perceberam a jogada e resolveram acabar com a amizade sem um “pio”. Ao interrogá-las se conversariam com a ciumenta, as duas amigas responderam que não, que amigos vem e vão e não se indisporiam com tal evento de tamanha insignificância. Ao interpelá-las sobre a importância da grande amizade que existia entre os quatro, elas se quedaram internes, entreolharam-se, se levantaram e deram por encerrada a conversa.

Também na faculdade. Dois amigos muito unidos a mais de quatro anos. Um belo dia um desses amigos estava bastante chateado com algo indizível. O outro amigo tentou conservar o número incrível de duas vezes para tentar ajudar, contudo, como a situação se mostrou irredutível, este acabou por prometer nunca mais falar com o outro. O outro apesar de sentir a necessidade de se abrir com o amigo, aceitou a imposição sem protestos, sem pedir um tempo para poder se explicar melhor e também se prometeu nunca mais falar com o amigo. Ao interrogá-los sobre a possibilidade de um voltar a falar com o outro cada um respondeu que só dependeria do outro tomar a iniciativa. Nunca mais se falaram.

Duas irmãs. Houve uma briga em que cada uma expôs rancores guardados a mais de 40 anos, nunca antes revelados. Não houve conversa, apenas um despejo de mágoas que marcam o fim de uma relação que entre erros, era na realidade uma relação de mãe e filha. Nunca mais olharam uma nos olhos da outra.

Dois jovens. Duas pessoas que foram, desde a primeira troca de olhares, tocadas por um amor inconfundível. Insegurança foi o ponto crucial, mas que nunca pode ser sanado tendo em vista o orgulho, a vergonha e sobretudo o medo que as pessoas tem hoje em dia de correr atrás e provar que amam. Mais um amor perdido, descartado, como se fosse substituível. Será ele realmente substituível? Pode até não ser, mas se é um amor perdido que diferença isso faz?

Cheguei à inevitável conclusão que é cada vez mais raro encontrar quem dê real valor a uma relação seja ela familiar, de amizade ou até mesmo amorosa. Pessoas que dão valor ao ponto de correr atrás e lutar por essa relação até as ultimas conseqüências. Na verdade hoje é raro ver quem chegue ao menos nas primeiras conseqüências.

É corriqueiro ver amizades se acabando, famílias se diluindo, amores perdidos pra sempre, e por quê? Porque abrimos mão de relações que um dia alegamos serem de tamanha importância e imprescindibilidade em nossas vidas ao ponto de prometermos serem para sempre, até aquele dia do “até nunca mais” que faz com que o orgulho com que pronunciamos essas palavras seja tal ao ponto de se tornarem mais forte que o sentimento que existia nessa relação? Será que as relações se tornaram tão descartáveis assim? Será que poderemos realmente começar uma amizade de infância no domingo para acabar no sábado e não nos sentirmos vazios ao nos deitar?

Mesmo nossas crianças, olhem para elas brincando com os amiguinhos que nunca chegaram a lembrar se quer do nome, crianças que prometem nunca mais conversar com o papai, crianças que para ter o amor delas é preciso chantageá-las com um doce ou um passeio no parque. Que tipo de valores estamos ensinando para elas? Que tipo de educação? Que tipo de exemplo somos para elas? Que tipo de amor estamos dando às nossas crianças?

Sinto que realmente nunca estaremos sozinhos, mas isso porque a capacidade de socialização do ser humano é algo incrível. Mas será mesmo que estar perto significa estar junto? Será mesmo quer ser amigo é apenas escutar coisas boas e não ser capaz de superar diferencias? Será mesmo que não sentimos remorso por não pedir perdão a um amigo que magoamos, na esperança de podermos facilmente encontrar um substituto? Somos realmente descartáveis e orgulhosos ao ponto de fazermos dos que amamos apenas pessoas prescindíveis? Isso lá é amor? Será que temos o direito de falar que sentimos amor por quem não somos nem capazes de lutar?

Durante as minhas pesquisas, estive brigada com um amigo muito querido. Havia cortado “definitivamente” a relação, pois assim ele quisera e eu não teria que ir contra a vontade dele. Mas depois de pensar sobre tudo isso, não pude evitar me questionar “será mesmo dispensável essa amizade na minha vida? Mesmo que ELE não queira mais a minha amizade será mesmo que EU estava disposta a abrir mão da amizade dele?” Fui tomada por um desejo incontrolável de provar a ele o quanto a nossa amizade era importante pra mim, tanto que me enchi de coragem e fui à busca daquela relação, e nesse momento percebi o quanto ele estava sofrendo também.

Conversamos e com muita luta consegui convencê-lo que somos duas pessoas que se amam fraternalmente e isso, independente de qualquer diferença, é a coisa mais importante na nossa relação. Depois disso, mesmo quando brigamos, não há mais orgulho, e sim a certeza de uma relação segura, uma relação sólida.

Quando tomei essa atitude me senti aliviada, forte, imbatível. Foi difícil superar o orgulho, mas quando tomei a iniciativa de correr atrás de uma amizade, não senti meu orgulho ferido, muito pelo contrário, me senti muito orgulhosa por tamanha nobreza partindo de mim. E o mais incrível é que eu iria até as ultimas conseqüências para provar o meu carinho por ele e só quando ele realmente desprezasse esse sentimento é que inevitavelmente teria que “bater em retirada”, contudo com a consciência tranqüila de que teria feito o possível para salvar aquele relacionamento. Com essa atitude eu pude mostrar para ele o que é ser realmente amigo, e hoje ele faz o mesmo por mim o que torna a nossa relação muito mais evoluída.

Não consigo entender como pode ser tão fácil para uns sucumbir ao medo de ser rejeitado. Não entendo como podem imergir no orgulho e na vergonha de lutar por uma relação que só será forte se as pessoas envolvidas nelas forem firmas no sentimento envolvido ali. Como as pessoas hoje em dia podem não perceber a importância em nossas vidas de uma relação duradoura, o orgulho em dizer para o outro “somos amigos de uma vida”. Poder amar sem medo, poder dizer o que senti sem receio de magoar o amigo que pode nunca mais falar com você. Poder pedir perdão sem vergonha e quantas vezes forem necessárias até que o outro se sinta seguro o suficiente para aceitar seu perdão. Poder dormir acompanhado da certeza de que amanhã não corre o menor risco de estar sozinho porque tens relações fortes e eternas.

Camila Gimenez
Enviado por Camila Gimenez em 01/07/2009
Reeditado em 09/01/2010
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