ELE MORREU!

É inevitável! Morre algum cantor e temos que ouvir uma overdose de músicas repetidas por todas emissoras de rádio em homenagem ao falecente.

Até ídolos esquecidos são lembrados.

Nestas horas me lembro sempre do dono de um pequeno sebo de LPs. O CD era novidade caríssima no braziu...

Passava o dia limpando os discos, organizando os balcões e escutando música.

Ininterruptamente...

Freqüentava muito o local que funcionava de segunda à sábado e às vezes domingo, em horário variável, dependendo dos compromissos de seu dono.

Ia lá, mesmo que muitas vezes não tivesse dinheiro para comprar nada.

O senhor era uma enciclopédia ambulante da música e, se não houvesse muita gente, gostava de contar histórias dos LPs mais raros...

De mais a mais ele tinha um excelente gosto musical.

Ali tinha certeza que ouviria músicas de qualidade. Não que ele não vendesse todo tipo de disco, mas não tocava.

O breganejo, axé, funk, rap e outras coisas que tentam ser música estavam em incubação.

Acho que ele sabia todos os vinis que possuía.

Todos absolutamente em ordem alfabética...

Tratava a loja como se fosse uma biblioteca.

Podíamos pegar qualquer disco de qualquer lugar, olhá-lo, revirá-lo e até ouvi-lo, mas jamais recolocá-lo de volta no local.

A função era exclusiva dele.

A loja não tinha saldão, nem ofertas...

Cada disco de catálogo tinha seu respectivo valor, devidamente codificado...

Usava um esquema de letras.

Quem conhecia a loja não precisava perguntar. Bastava olhar os códigos nas tabelas que ficavam afixados em diversos locais.

Como os tempos eram de muita inflação, semanalmente ele mudava o valor das tabelas.

De segunda a sexta o disco tinha o mesmo preço. No sábado pela manhã já havia nova tabela...

Já os discos raros, fora de catálogo, tinham preços diferenciados que variavam dependendo da raridade do disco, sua condição e, ainda, da cara do freguês ou do humor dele.

Havia outra variante no preço.

Certa feita vi que o preço de um disco de um cantor que havia falecido estava bem mais caro que na semana anterior...

Namorava o disco há algum tempo e perguntei por que aumentara tanto e por que havia um xis ou uma cruzinha ao lado da letra indicativa do preço.

Oh! meu jovem, disse-me ele...

Ele morreu... E quando morre algum cantor, aumenta a procura de seus discos e eu ganho um dinheirinho extra.

Pode parecer humor negro, mas até hoje quando morre algum cantor, vem-me essa história e me dá vontade de rir...

Quanto ao disco que eu namorava, foi vendido rapidamente...

Comprei outro igual, meses após, quando a cotação do disco e a emoção dos fãs voltaram ao normal...

Pedro Galuchi
Enviado por Pedro Galuchi em 01/07/2009
Reeditado em 02/07/2009
Código do texto: T1677437
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