A alegria tem poder
Cissa de Oliveira
Pode ser menor, literariamente falando, mas quando eu estou furiosa, descontente, ou simplesmente pasma, um mecanismo que me desopila é a escrita. Mas nem sempre isto é possível, por exemplo, nas terças e nas quartas, os meus dois dias mais corridos da semana.
Piada do destino ser nestes dias os que eu me deparo com uma pessoa daquelas que parecem sofrer do fígado, de tão insuportáveis. Era vê-la - notaram o tempo verbal? - e notar se sobrepor à minha pessoa, uma nuvenzinha típica das tirinhas: escura, cheia de raios e signos incompreensíveis.
Pois hoje, quarta-feira, na volta pra casa, eu me demorei um pouco mais nessas considerações. Vasculhei sem qualquer paixão a mensagem fisionômica - ou seria a sintomatológica? - da pessoa: olhos fundos, olheiras bem marcadas, lábios arroxeados, rosto um tanto cadavérico, cabelos lisos, pretos e a testa algo congelada no mistério de alguma indagação, provavelmente sobre a fundura de poços muito frios, e remotos. Ah, mas isto pouco representaria, não fosse o mau humor do ser em questão, é bom que se esclareça.
- Doente do fígado, claro! Pensei entre uma brecada e outra. A coisa bem pode ser pior, mas que sumiu a nuvenzinha e a minha sensação de desconforto, lá isso sumiu.
Já quase mudando o foco, coloquei um CD com músicas alegres e, pensando numa crônica, ri da figura, mas também de mim. Não dizem que rir é a melhor solução? Então, o negócio é rir. A alegria é um mecanismo que pode desopilar o fígado.
E a escrita, descobri, idem.