A saudade

Éramos tão crianças que mal poderíamos saber de nós; eu, muito menos de ti. Me foge aos olhos o seu rosto recalcado, o lábio formulado: o que me carrega ao passado, em verdade, é a solidão. Vejo-a entre as ruas e os carros; és o barulho, mas isso só acontece porque não estou em lugar algum: sou o silêncio que cantaram na virada do dia trinta e um. Há se pudesses olhar-me hoje, não com o olhar de ontem, mas com a sapiência de quem é deveras sutil para crer no amor. E valham-me as palavras, pois sou um puro agente que intercede pelos sentimentos, dando-lhes asas, em forma de dor. Se ao menos antes não fôssemos tão crianças... A mim me é difícil crer na potência inexistente das coisas, mas vejo-lhe o rosto - como um retrato - em minha mente, e, nostálgico, preencho-me do sutil pueril olhar que me oferecestes. Talvez pouco valha, ou nada valha. Entregar-me-ei aquilo que sou realmente: eu sou a saudade.