Chegaram em carroças.
Os miúdos da aldeia medieval onde estive entregue ao abandono, corriam atrás, rindo muito dos velhos chapéus de palha que os burros levavam enfiados nas cabeças, as orelhas felpudas surgindo por entre dois buracos, disfarçados com flores de papel desbotado.
À noite, lá fomos: eu, a minha avó e a Henriqueta, juntar-nos à roda de povo no pequenino largo.
As pessoas, de escuro no escuro, ficaram de pé.
Os aparelhos eram cadeiras, mesas e duas estacas espetadas no chão de terra batida, uma corda esticada entre elas.
Os artistas vestiam farrapos, velhos e rotos.
Na roda dos pobres, aquela miséria extrema provocou comentários.
Sobretudo a magreza da menina que atravessou de braços no ar, a corda. Levezinha como uma borboleta, ameaçando partir a voar.
A contorcionista vestia um maillôt e estava tão grávida que as mulheres cochichavam entre si:
- Coitados, já começam a trabalhar na barriga da mãe.
Na meia-luz dos lampiões, pouco mais vi que a lástima.
Escutava o que se dizia à volta, e no fim um menino pequeno e sério passou por entre todos o chapéu do pai, que apresentara o espectáculo, sem fausto.
Os homens remexeram as moedas raras no fundo dos bolsos das calças surradas, as mulheres remexeram as bolsas de feltro que ainda se usavam por baixo dos aventais.
E os tostões, pequeninos e negros, iam caindo um a um, dois a dois... com esforço, num mudo entendimento da fome compartilhada.
Só as crianças sorriram e bateram palmas. Os artistas aplaudiram no fim a plateia improvisada.
Nunca, nunca na minha vida gostei de circo!
Nem no Coliseu, por detrás da praça dos Restauradores, onde ofereciam bilhetes no Natal aos filhos dos funcionários, nem na TV do Circo do Mónaco, nem do magnífico circo de Moscovo.
Aquele primeiro que vi e ainda vejo por detrás das lágrimas que sinto bastou-me para toda a vida!