Marca de Batom
Entrei em casa, fechei a porta, coloquei minha pasta em cima da mesa (o que irrita profundamente minha esposa, mas é um daqueles hábitos horríveis que quanto mais pegam no seu pé, mais nos tornamos indiferentes à crítica) e chamei por Carlota.
- Estou aqui na cozinha! – ela berrou, delicada como sempre. Fui até lá despindo-me do paletó incômodo que usara o dia todo.
– Boa noite, amor. Como foi seu dia? – cumprimentei. Ela estava de costas para mim, virada para a pia, cortando algum daqueles legumes gosmentos. Largou a faca e virou-se.
- Boa noite querid... – Uma rápida olhada em meu pescoço. – O que é isso?! – disse, apontando a faca pra mim enquanto seu rosto transformava-se em feições pouco agradáveis.
- Meu pescoço, amor.
- Não seja irônico comigo, João Alberto! O que é essa marca de batom no seu pescoço?
- É uma marca de batom no meu pescoço, oras, você mesmo acabou de dizer – Fui até as panelas sobre o fogão, abrindo as tampas e fingindo interesse repentino na janta.
- Você me fala isso com essa cara-de-pau?
- Humm. Empanado é? Não comprou no açougue da esquina, não é? Já falei que ali tem sérios problemas com a Vigilância Sanitária e que...
- Sérios problemas está o senhor! - interrompeu minha querida esposa. Como você vem pra casa com marcas de batom no pescoço?!
- Mas você queria que eu fosse dormir fora só por causa de uma marquinha de batom?
- João Alberto, me explique essa marca!
- Ok. A Fernanda, aquela nova secretária, estava uma belezinha hoje, muito sensual. Como o pessoal da empresa saiu mais cedo fiquei lá fazendo hora extra com ela. Acho que deve ser dela esse batom. É vermelho né? Vermelho-paixão? Vê aí.
O olhar furioso da minha esposa não foi pro meu pescoço, mas pra faca que havia abandonado sobre a pia. Vi-me morto naquele momento, mas ela mudou de idéia rapidamente. Saiu batendo o pé com força, subiu as escadas, entrou no quarto e fechou a porta com uma pancada. Desliguei o fogo das panelas, jantei enquanto ela quebrava algumas coisas lá em cima e subi. Tomei banho, lavei a marca de batom no pescoço e em outras partes que felizmente Carlota não vira. Quando fui pro quarto ela estava deitada na cama. Fechei a porta, liguei a luz e sentei ao seu lado para terminar de vestir as roupas.
- Já que você tem suas “horas extras” (disse isso sibilando as palavras devido a raiva acumulada) vou fazer as minhas também.
- Ah, tudo bem querida.
- Vou ligar pro seu melhor amigo, o Renê, e convidá-lo para fazer “horas extras” comigo no final de semana.
- Mas ó, sábado não dá.
- Como?
- Sábado tem jogo lá no campo de Andradina. Final de campeonato e Renê é nosso zagueiro.
- Tudo bem, tem mais seis dias na semana que ele com certeza virá. Já vi a maneira como ele olha para minhas pernas.
- Ciúmes.
- O que disse ?
- Ele provavelmente deve achá-las bonitas, mas olha com inveja. - me encaminhava para o banheiro.
- Como?
- Inveja. Renê é viado. Tem caso com o goleiro do time. Mas é amigo e amigo não se escolhe.
- Aff. Vá se fuder, João Alberto.
- De novo?