O GAROTO MICHAEL

No ano em que nasci, nascia também um garotinho. Um menino forte, esperto, negro na cidade de Indiana, Estados Unidos.

Cedo começou a cantar, a dançar, a brilhar em apresentações com seus irmãos.

Quando ele tinha dez anos, eu também tinha dez anos, e ouvia suas músicas e me emocionava com as melodias, pois nem sabia qual mensagem aquelas canções meigas carregavam. Mas eu brincava, sonhava, cultivava amigos. E o menino cantor?...

Estas canções acompanharam minha adolescência. Nem sei quantas vezes chorei ao som de “Music and me”, “I’ll be there” ou “Ben”. O garoto crescia e eu também. Comecei a trabalhar, a namorar, me encontrar como pessoa, construir meus valores, meus ideais, a conquistar coisas novas dia a dia... E o garoto? Bem, ele cantava, ensaiava, trabalhava e não brincava. Não conhecia o que era o bem, o que era o mal, não conhecia o amor dos pais, não conhecia o amor dos irmãos.(E ainda nem sabia se era homem ou mulher.)

No ano em que me formei na faculdade, o garoto lançava um disco solo que revolucionaria a história da discografia mundial. Surgia um gênio, a “black music” finalmente seduzindo os outros gêneros considerados mais “nobres”. E o garoto um pouco diferente, o nariz afilado, as sobrancelhas arqueadas, o cabelo estilizado. A dança perfeita, inovadora, instigante, contagiante...

Casei-me no mesmo ano em que este eletrizante garoto lançava um álbum que veio a ser o maior fenômeno musical em vendas de toda a história.

Recém casada, lembro-me perfeitamente quando num final de domingo, o Fantástico anunciou um vídeo de lançamento da nova música do menino prodígio da “pop music”. Foram quatorze minutos de êxtase, admiração, medo, enlevo puro. Ao ouvir a voz e a famosa e arrepiante risada de Vincent Price; ator que havia feito parte de minha infância, nos filmes de terror, cujas cenas entrevia pelos furinhos do cobertor; tive a certeza de que estava presenciando algo inovador e completamente genial.

Fiz cinqüenta anos, o garotinho, que nunca deixou de ser um garotinho, também. Porém sua aparência inacreditavelmente modificada, provou que nossa trajetória de vida não poderia ter sido tão diferente.

Um Peter Pan? Mas, teria este personagem de Barrie sido espancado pelo pai, atormentado pelos irmãos, proibido de brincar como uma criança normal, o que justificaria sua rejeição em crescer? Não. Como então compará-lo a Peter Pan?

Nem menino, nem adulto. Nem branco, nem negro. Nem feliz nem miseravelmente infeliz. Nem homem, nem mulher. Nem filho, nem pai. Nem amante, nem amado.

Talvez em uma coisa na vida este homem-menino tenha acertado em cheio: nomeou seu rancho de “Neverland”. O planeta Terra para ele foi mesmo uma “Terra do Nunca”.