ROUBADA
“...Agora já não é normal, o que dá de malandro regular, profissional,
Malandro com aparato de malandro oficial,
Malandro candidato a malandro federal,
Malandro com retrato na coluna social,
Malandro com contrato com gravata e capital,
Que nunca se dá mal...”
(Homenagem ao Malandro, Chico buarque)
O ladrão comum era um animal de hábitos noturnos, mãos portando canivete ou lâmina de barbear, chave de fenda, pé de cabra e acessórios indispensáveis ao batimento de bolsa, carteira e arrombamentos de pequenos cofres e portas ou janelas. Esses apetrechos foram, com o tempo perdendo terreno para o revólver, a pistola, a chave mixa e acesso direto às contas bancárias pela internet. Seu habitat tradicional – a rua – está empurrando-o mais para as manhãs, tardes e menos para as noites e madrugadas, que estão com pouca gente circulando, ficando mais difícil ser identificado nas imagens das câmeras instaladas nos pontos de grandes circulações de gente e dinheiro. Essas bisbilhoteiras usadas para vigiar o nosso sossego de outrora em nome da segurança geral. Esse meio ambiente social poluído tem muito mais apelo que o dos lixos inorgânicos, os desmatamentos, as contaminações das águas e o aquecimento global. Como se cada um fosse um ambiente desvinculado do outro e não uma coisa só, plastificada. O ar não é palpável pelo menos até nos faltar ou tornar-se irrespirável Vivemos o efeito semelhante ao de uma estufa humana ou, na “chapa quente”; tornamo-nos reféns da paranóia coletiva, do ir e vir sempre correndo o risco de esbarrar com um outro vindo e levando a bolsa ou a vida. A sofisticação high tech , não deixa para trás o atraso. Moderniza também o golpe, já que se pretende democrática nos moldes da democracia de desiguais em que vivemos.
Agora, o ladrão especial, de raça, é um animal que criou seus hábitos sem limites de espaço e tempo. Ele faz parte de uma nata da sociedade e não precisa desses mecanismos de invasão e fuga, claro ou escuro, tranca ou cadeado. Vale a sua notoriedade, seu discurso e especialmente, seu(?) dinheiro e bons advogados. Pena, então... habeas corpus nela!
Dois casos típicos de que a malandragem oficial faz escola. O pessoal está, a seu modo, reivindicado uma ascensão social, uma mudança de status. Afinal dura lex, sed lex ou não?
A quadrilha seqüestrou a família de um gerente de banco no interior de Minas e entrou na agência. Quando a polícia cercou tudo e deu voz de prisão, o sujeito que estava com reféns lá dentro ligou para uma emissora de rádio, que colocou ao vivo, o diálogo com a repórter e pedia garantia de vida para ele e para os clientes que estavam na agência, afinal, a polícia poderia usar de violência e ferir alguém, seu argumento salvador. Estava certo, mas foi preso assim mesmo, coitado. É bom aprendiz, mas pobre, sem notório saber e prática criminal.
O outro infeliz adentrou pelo estabelecimento de hortifrutigranjeiros, que o povão gosta de chamar sacolão, foi direto ao caixa e limpou toda a féria das primeiras horas do dia, mas, contido pelos funcionários e fregueses, esbravejava que iria devolver o dinheiro. Exigiu isso das autoridades, uma vez que nem chegou a fazer uso do saldo do assalto. Tinha direitos de imunidade por esse ato abnegado. Dançou também. Ainda não perceberam que não são ladrões especiais. Já aprenderam as teorias, mas não escalaram a pirâmide do foro privilegiado.