O elevador

Quando se mudou para o Edifício “Illesac”, há dois anos, tornava-se realidade um sonho antigo de morar sozinho em um apartamento, finalmente não precisaria mais dar satisfações a seus pais, e o melhor, sua privacidade estaria garantida, localizado em um bairro em ascensão com construções de prédios, boa infra-estrutura, supermercados, perto de um parque e próximo a uma nova estação de metrô, dizia a seus pais e colegas que estava morando no céu.

Como o bairro em formação chamava a atenção devido à comodidade, muitas pessoas também começaram a se mudar para o recém-inaugurado prédio, morando no décimo andar, no apartamento 103 – bloco B, tinha como vizinhos um casal no apartamento ao lado, no apê (peço licença para simplificar a palavra, a fim de melhorar a narrativa) de cima uma família de coreanos, chineses ou japoneses (não conseguia distinguir), no nono andar um casal de apaixonados e no mesmo andar que o seu, só que no bloco – A, uma morena lindíssima, que tirava as suas noites de sono, sempre que podia a espionava, e para ajudar era amiga do casal ao lado.

Todas as personagens possuíam alguns problemas que começaram a incomodá-lo, os vizinhos ao lado viviam entre tapas e beijos, e bem na hora do seu programa favorito (parece que adivinhavam) o que o deixava puto da vida, e para complicar muitas vezes durante as discussões ouvia mencionar “o vizinho do lado”, no apê de cima a família de coreanos, chineses ou japoneses, que oravam pela manhã numa altura absurda e no idioma deles, o que o tirava fora do sério, o casal de pombinhos de baixo, pegou diversas vezes se agarrando dentro do elevador, nos corredores do prédio, balançava a cabeça e saía como nada tivesse visto e a morena do bloco – A que rondava os seus sonhos, inúmeros foram os sonhos com ela, sempre da mesma forma, -“trocavam olhares na porta do elevador, a convidava para o seu apê e lá se amavam loucamente”.

Um dia ao chegar do trabalho deparou-se com ela na porta do elevador (na certa iria visitar o casal de amigos), apressou-se e com o coração batendo forte cumprimentou-a com um boa noite, assim que o elevador chegou ao térreo, abriu a porta e educadamente com um gesto pediu que ela entrasse primeiro, rapidamente pensou: – “a sua chance de ficar a sós com ela tinha chegado, faltava apenas coragem para se declarar” – quando a porta estava quase se fechando ouviu um grito: “segura à porta, por favor!!!”, ignorou fingindo não ouvir, afinal quem estaria querendo estragar o seu plano?

O seu plano não deu certo, um dos filhos dos coreanos, chineses ou japoneses, conseguiu alcançar a porta e a segurou, (falou mal, em pensamento, até a última geração daquele “muleque”), a família entrou toda e bem no meio deles, para piorar (se é que dava), também entrou o casal dos tapas e beijos, e o casal apaixonado, pronto a “desgraça” estava completa, cumprimentou a todos e ali permaneceu pensativo.

No sexto andar a energia elétrica acabou e pensou: “só me faltava essa, preso com toda essa gente aqui dentro, se não é esse “muleque”, olhando fixo para ele, nesse momento só estaria a morena e eu”, a luz de emergência acendeu deixando uma penumbra, o silêncio tomou conta, cada personagem posicionou-se de uma maneira, a morena no canto esquerdo de quem entra, a família de coreanos, chineses ou japoneses no meio, o casal das brigas do seu lado, o outro casal de sem vergonhas do lado da morena e ele no canto direito também de quem entra.

De cabeça baixa lamentando a oportunidade perdida, escutou uma voz alterada vinda do seu lado e adivinha, o casal das brigas resolveu lavar a roupa suja ali mesmo, a família de coreanos, chineses ou japoneses ouvindo aquilo, iniciou uma daquelas orações que ele “gostava tanto”, o outro casal de pombinhos para provocar começou a se esfregar ali dentro, faltando apenas transarem, quieto e paciente balançava a cabeça torcendo pela volta da energia.

Ao levantar a “cachola” para ter uma visão geral do que estava acontecendo, perdeu a sua educação e gritou: - “Chega, não aguento mais isso!”, todos pararam o que faziam e estranharam a reação dele, nunca tinham ouvido ele alterado, respirou fundo e começou a descarregar tudo o que estava acumulado, olhou primeiro para o casal dos tapas e beijos e disparou:

-- “Você pensa que engana quem (falando com o cara), com essas suas discussões bestas provocadas por você mesmo? Todo mundo sabe (se não sabiam, ficaram sabendo) que você trai a sua mulher com aquela morena (apontou para a sua amada) e fica inventando esses ciúmes bestas para enganar. E você (agora olhando para a mulher do “cara”) acorda para a vida, o “cara” não vale nada e muito menos a sua “amiga”, nunca percebeu a troca de olhares deles, quando vocês estavam juntos?”

Respirou mais um pouco e se virou para a família de coreanos, chineses ou japoneses:

-- “Primeira coisa que eu quero saber, vocês são de qual país afinal? Desculpe, mas para mim são todos iguais, será que poderiam me dizer?”

Assustados, responderam serem da Coreia do Sul. E ele assim que soube, continuou:

-- “Pois bem, Seu Coreia (não conseguiu pronunciar o nome do senhor) com todo o respeito, gostaria de saber se o seu Deus por acaso tem algum problema de audição? Não é possível, que necessite daquela altura, logo pela manhã, para orar? Pelo menos no meu caso, rezo todos os dias a noite e ao acordar e tenho certeza que nunca me ouviu, a partir de amanhã, quero silêncio!”

Não disseram mais nada, a família de coreanos. E ainda tinha mais, tornou a respirar e olhando para os pombinhos, desabafou:

-- “Não é de hoje que vejo vocês se agarrarem por aí, ou você (olhando para o rapaz) não consegue apagar o fogo dela, o que aconselho a dividir com outro, ou quando estiverem com vontade de transar, leve-a para um motel, ou melhor, porque não compra um apê de motel? Assim vocês podem ficar mais a vontade! Não percebem que aqui é um prédio familiar?”

Sobrava a morena dos seus sonhos, no entanto não poderia deixar de falar o que estava sentindo, aproveitar o momento e disse:

-- “Estou decepcionado com você, tão linda e tão filha da p..., fingia ser amiga do casal para sair com o marido dela (apontou para a moça), assim que a vi pela primeira vez, juro que fiquei apaixonado por você, mas quando descobri o que estava fazendo comecei a ter nojo de você, e tenho certeza que não é só ele, pela cara de vagabunda, deve sair com tudo quanto é homem do prédio.”

Pronto estava aliviado, um imenso “edifício” literalmente saía de suas costas, não se ouviu um “piu” dentro do elevador até a energia chegar, e não demorou muito (esperou apenas ele desabafar) cada qual desceu em seu andar, mudos. No dia seguinte o casal das brigas haviam se separado (ele acabou ficando com a moça), o “cara” com a morena sumiram, a família de coreanos oravam (se é que continuavam) sem se ouvir nada, e o casal de sem vergonhas deixou os agarramentos para o motel.

O que ele buscava tanto quando comprou o seu apê, finalmente tinha conseguido (paz, tranquilidade e privacidade), e ainda saiu no lucro, pois ganhou uma super-mulher, que apesar de ter reparado pouco durante o convívio como vizinha, era tão bonita e tão morena quanto a morena filha da p... dos seus antigos sonhos.

Regor Illesac
Enviado por Regor Illesac em 28/06/2009
Código do texto: T1672488
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