TEMPLO (Teatro)

SOAM TOADAS ESTRIDULANTES DE CLARINS

O CORAL ENTOA:

-Glória ao Deus Todo-Poderoso. Deus está aqui.

As graças sejam benditas.

SURGE A MULTIDÃO DE ANJOS COM BATINAS ALVAS DE DEBRUNS DOURADOS.

[Lindas luminárias]

[Lustres multicoloridos]

[Vitrais que lampejam a abóbada celeste]

[O altar flamejante]

[O púlpito adornado com buquês de flores amarelas e vermelhas. Lírios, violetas e tulipas].

ENTRAM OS PRESBÍTEROS VESTIDOS A CARÁTER.

OS FIÉIS FAZEM UMA QUASE INTERMINÁVEL SALVA DE PALMAS.

UMA VOZ GRAVE E PAULATINA RETUMBA PELOS AUTO-FALANTES:

-Nós vos abençoamos em nome de Deus e Nosso Senhor Jesus Cristo!

-Aqui é a casa do senhor onde todos que forem ungidos terão o perdão dos pecados.

-Aqui é o Paraíso, a casa do pai. Daqui todos sairão sem mácula, se se arrependerem dos pecados.

OS CANTOS DO CORAL. OS ACORDES DO ÓRGÃO ELETRÔNICO IMITAM OS SONS DOS CLARINS E ECOAM PELO TEMPLO.

AS TARJAS DOURADAS. O CORAL ENTOANDO CANTOS SACROS. O OLOR DOS PERFUMES DÁ UMA SENSAÇÃO CELESTE.

“É aqui o Paraíso. Deus está presente, invocado por seus discípulos, os pastores”!

UMA HORA, DUAS HORAS, TRÊS HORAS E O PANO SE FECHA. ACABA O ESPETÁCULO.

o CIRCO SE FECHA PARA OS QUE NÃO DEPOSITARAM AS NOTINHAS NOVAS E GRAÚDAS NA SACOLA DO OFERTÓRIO, PARA OS QUE NÃO PREEENCHERAM O FORMULÁRIO DO BANCO... TAMBÉM PARA OS QUE O FIZERAM.

[Chega em casa. Abre a porta do barraco. Abre a porta da geladeira tão exígua como o barraco].

[A palafita, o mocambo tão deteriorado quanto sua alma].

O CÉU ABERTO AO ESGOTO E FECHADO AO SEU ESPÍRITO. OS RATOS CORRENDO AFLITOS. OS URUBUS EM VÔOS RAZANTES, ORIENTADOS PELO CHEIRO NAUSEABUNDO.

_E a oferta que eu dei? E o dízimo que eu nunca atrasei? – murmura E a bênção que o pastor invocou com as mãos sobre minha cabeça? Ele garantiu que eu não voltaria ao inferno!

VAI À COZINHA E VÊ PANELAS VAZIAS. O BARRACO SE DESMONTANDO SOBRE SEU CORPO EM FRANGALHOS.

(Com a mão sobre o coração. Desesperado).

-Cadê Deus que vislumbrei há apenas algumas horas?

-Estou outra vez no inferno... eu nunca saí desse inferno!

JOEL DE SÁ

28/06/2009.

Joel de Sá
Enviado por Joel de Sá em 28/06/2009
Reeditado em 28/06/2009
Código do texto: T1671858