Crônicas da Esquina ( Um Garçom )

UM GARÇOM

É um garçom abusado. Em condições normais, tal predicativo não é nada lisonjeiro para um garçom de bar. Mas como no Costa dá-se as costas para muita coisa, ele nunca se convence disso. Mas é abusado. Fiz-lhe, certa vez, essa observação. Não tinha a intenção de mudar-lhe os hábitos que, a bem da verdade, vêm sendo praticados há vinte e tantos anos. Mas, se o fiz, foi para lhe mostrar que sou completamente avesso aos excessos de brincadeiras e intimidades. No entanto, talvez tenha sido desnecessário. Reparando bem, é relativamente seletivo em seus arroubos de abuso. Alguns clientes são poupados, especialmente os que não se poupam nas gorjetas mais generosas que as simples moedinhas de um troco. O falecido Valentim que o diria. Nem bem estacionava o carro e o solícito garçom já tinha lhe arrumado a mesa. Sequer tinha direito ao pedido. De bandeja na mão, vinha-lhe o uísque, a água mineral e o cinzeiro, esse artigo de luxo nas mesas do Costa. O garçom sorria-lhe e abanava-lhe o rabo satisfeito.

O falecido Gil merecia tratamento semelhante, pois quanto a este, qualquer deslize deixava a caixinha ameaçada. Já o falecido Jair, por conta do seu jeito brincalhão e dos muitos anos de convívio, não gozava do mesmo respeito. Pior se poderia dizer do falecido Amaro – perdoem essa espécie de serial killer, mas foi mera coincidência – que mesmo calado estava sempre errado.

Apesar das exceções, é abusado. Suas brincadeiras são pouco alvissareiras e trazem o perigoso germe da confiança excessiva. Por outro lado, não posso imputar-lhe toda a culpa. O que faz uma criança quando não lhe amputamos os maus hábitos? Abusa. E não é a ela que devemos condenar pela falta. No bar, dá-se o mesmo. Como ninguém liga, o nobre garçom não põe freios à liberdade. Intimidades custam caro. Quanto ao garçom, as brincadeiras a ele dirigidas são pouco respeitosas: crioulo, macaco e outras, indizíveis nos domínios de uma crônica. Em troca, avivam-lhe a verve: muquiranas, duros, malas. E avança. Bolina os outros, beija-lhes o cangote e ri. Um sorriso simpático, verdadeiro.

No mais, é um pé-de-boi. A rigor, é o único que pega no pesado sem reclamar. Sua agilidade cresce à medida que a casa enche e, nessas horas, é pouco afeito a brincadeiras. Nessas horas ele parece saber que Vila Isabel lhe deu liberdade. A confiança fica por conta dos outros. Certo, Luís?

Aldo Guerra

Vila Isabel, RJ.

Aldo Guerra
Enviado por Aldo Guerra em 28/06/2009
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