(CONIC - BRASÍLIA) QUE PÁTRIA QUE TE PARIU?

Alguns dizem que o Setor de Diversões Sul (famoso Conic) é a cara de Brasília. Outros afirmam que é uma parte descarada da cidade. Na minha opinião, ele tem mil caras e nem deveria fazer parte mesmo do Distrito Federal. Acho até que o Conic tinha que ter outro código de ddd, pois em meio àqueles 18 edifícios, ele se revela um mundo à parte. Eu defino o surgimento do Conic como uma “gravidez acidental” acompanhada por um parto forçado. E após muitas tentativas de conquista fracassadas, a mãe Brasília cisma em esconder, ou em não assumir o filho bastardo.

Nunca ouvi falar em outro local onde “santos” e “demônios” dividem o mesmo ar. As pessoas que vão ao Conic encontram puteiros, cinemas pornô, boates de strip tease, sex shops, loja de artigos de umbanda, além de pessoas de todos os tipos, como homossexuais, travestis e simpatizantes. Tudo isso pertinho da Igreja Universal do Reino de Deus e de outros vários templos religiosos. E são nesses templos que os pastores enfatizam o quão errado é se render aos pecados. Dizem que é pecado beber, fumar, se drogar, se deleitar com os prazeres da carne etc. Hum, logo onde? Na terra sem lei, e consequentemente, sem interpretações sobre o que é errado ou não. Só o purgatório, talvez, que se assemelhe ao Conic em relação à proximidade entre céu e inferno. Mas no Conic não se julga; muito pelo contrário, quem entra lá tem consciência das próprias convicções e sabe se já está condenado ou absolvido! Mas cuidado, pois quem resolve dar uma passeadinha por lá, corre sérios riscos de se salvar, religiosamente falando, ou de se perder em um mundo de tentações.

O Conic já foi o principal centro de cinemas da cidade, mas quase todos se renderam ao dinheiro “sagrado” dos templos religiosos. O único que restou foi o Ritz. Ele foi criado para exibição de filmes cults, mas como o perfil do público que frequenta o Conic mudou, com o passar do tempo, o proprietário também teve que fazer algumas alterações, de acordo com a demanda. Agora o cine Ritz só apresenta filmes pornográficos. Então se você tinha pensado em passar a tarde assistindo Revelações, de Robert Benton, por exemplo, não se assuste se o filme que estiver em cartaz for Revelações de Bruna Surfistinha.

Acredito eu que foi uma boa sacada; uma alternativa a mais para uma parcela das 200 mil pessoas que passam por ali diariamente, se aliviarem da pressão do trabalho.

Acima de tudo, o Conic é um ponto de encontro dos pecados e dos medos. Do medo de pecar e do pecado de viver o proibido. Não é porque o pastor só anda de roupa social e carrega uma Bíblia em baixo do braço que ele não peca; da mesma forma não posso dizer que porque a dançarina da casa de strip tease sobrevive graças à venda do corpo, que ela também não ora. Sinceramente, não duvido que ao final da tarde, alguns religiosos trocam as preces finais dos cultos pelas carícias breves dessas strippers.

Nessa hora fatídica, em que o sol se despede, o Conic muda completamente. Durante o dia mulheres trabalham com avental para divulgar serviços de “autoescola” ou “aparelhos dentários”. Essas trabalhadoras dependem do número de clientes que conseguirem para juntar no máximo um salário mínimo no final do mês. À noite, as quase senhoras saem de cena para a chegada das quase crianças e dos personagens que vão lá para se libertar, para escancarar as próprias personalidades e jamais se arrepender daquilo o que fazem ou deixam de fazer.

Não pense que a contradição no Conic se limita apenas ao pecado e ao sagrado; ao dia e à noite. Lá, tudo se mistura: policiais se esbarram em traficantes, adolescentes se topam com senhores, mendigos se misturam com políticos; e dentistas e advogados trocam figurinhas com tatuadores e cafetões.

O Conic sempre viveu com uma crise de identidade, diferente das pessoas que o frequentam. Pessoas que sabem plenamente quem são e do que gostam. Já tentaram exorcizar o Conic e acabar com todas as igrejas, mas se o Conic virar terra de uma só voz, não seria mais o Conic. Lugar sem rótulo e sem regra, onde milhares de tribos se aturam ou simplesmente convivem entre si.Nova York tem Times Square, Salvador tem Pelourinho, Brasília tem Conic. Cada cidade tem o centro de diversões que merece, e não hesito em afirmar que Brasília merece o Conic. Só não sei se o Conic merece Brasília...