CARRASCO SEM ROSTO
Não gostamos quando ela ronda.
Desejamos ardentemente que ela nunca chegue perto de nós ou dos nossos.
Passamos a maior parte da vida fingindo que ela não existe.
Torcendo que ao ignorá-la ela tenha nos esquecido ou no mínimo nos deixado por último, em sua infalível lista.
Porém, como devíamos esperar, ela chega.
Da forma que mais tememos e aparentemente que mais lhe agrada, sem avisar.
Sem pedir licença, sem dirigir condolências, sem apresentações...
_ Com licença senhor, eu sou a Morte e vim lhe avisar que chegou a hora de partir comigo.
... Sem direito a argumentação.
_ Mas, como agora? Agora é quando eu iria começar tudo de novo. É quando as pessoas me veriam novamente fazendo aquilo que sempre fiz de melhor. Agora é cedo demais para mim!
...Sem segunda chance.
_ Sinto muito senhor, como o senhor mesmo sabe, andou abusando, brincando com a minha antítese. E neste caso não tenho como não cumprir com o combinado.
... Sem perdão.
_ Sinto muito! Admito que andei me excedendo, mas isto é hábito de todos mortais. Achamos que nunca virá, ou, pela lógica cronológica, que só virá nos buscar quando a chamarmos.
... Sem explicação.
Se pelo menos soubéssemos para onde.
_ Olha, estou levando este cara. Ele vai morar logo ali no andar de cima. Vocês vão continuar se vendo e se falando. Basta trocarem os endereços e ligarem a webcam. Ele vai poder continuar cantando para vocês. As últimas composições serão enviadas por email. Também tem o chat que interliga todos os moradores lá de cima com os que continuam morando aqui embaixo. O bate-papo funciona 24 horas. Quando quiserem mudar pra lá é só chamar, a pressa é sua.
Mas, o carrasco sem rosto e sem voz simplesmente executa a sentença que a todos foi dada.
Cumprindo a única certeza que temos no momento que a vida se fez em nós.
O qual nunca aceitamos.
Nunca nos preparamos.
E quando ela sopra com o hálito frio da sua presença nos tímpanos quentes da vida, nos encontra assim...
Desprevenidos, desarmados, indignados, estraçalhados, desesperados...
Perdidos...
Nesta estranha mania de querer apenas viver.