Standards - as músicas que me balançam (III) "Down Under"
Standards, as músicas que me balançam (III) – "Down Under"
Em termos de standards, de sucessos isolados, por assim dizer, muita coisa gravada pelos cantores italianos e franceses, aconteceram no mercado brasileiro. A música italiana, embora fosse execrada pela crítica, era adorada no país – não somente na colônia italiana, mas no bairro mais simples. Até hoje, muitos cantores italianos tem boa projeção no mercado nacional. Mas, foi nos anos setenta, o ápice dessa participação no mercado brasileiro de música.
Nos anos 80, o mercado de música regional se fortaleceu e, muitos nomes e sotaques diferentes começaram a pontuar no mercado da música. Ao som dos nordestinos, se seguiu a projeção de artistas do Mato-Grosso (família Spíndola, Almir Sater), do Rio Grande do Sul (caso de Kleiton e Kledir e Bebeto Alves). A prática da gravação independente, velha conhecida dos sertanejos, nordestinos e nortistas, chegou à MPB.
No plano internacional, era tempo de entre-safra. Ao levante punk se sucedia o new-wave, movimento onde surgiram diversas bandas interessantes, como é o caso de Men at Work e, Dire Straits. O movimento hip hop dava as caras, no mercado americano. Bob Marley – que havia sido apresentado ao Brasil por Gilberto Gil, através da gravação de uma versão de “No woman, no cry”, que arrebentou no país todo -, estava entronizado como ídolo pop internacional.
Vamos lá:
"No woman, no cry" - Bob Marley and Wailers, ao vivo em Londres. A transferência de Bob Marley para a Ariola coincide com a sua chegada ao ápice de sua carreira como cantor e compositor. A letra desta música, como sabem, não é dele - mas, ela está indissociavelmente ligada à sua imagem. A letra fala de um modo descritivo, universal e comovente da vida dos despossuidos. No famoso registro ao vivo em Londres, Bob Marley tem so suporte os Wailers (com Sly Dumbar na bateria e, claro, Robbie Shakespeare no baixo), mais The I Trees. O que se podia esperar aconteceu: uma performance brilhante e inesquecível, com Bob Marley e sua voz sofrida conduzindo tudo. A certa altura, parece que o coro da platéia se funde e é parte da performance. Só uma pedra não se comove com um hino desses.
"Tá na Terra" - com João Caetano, que, pra quem não sabe, é um cantor e compositor goiano. Esta música foi tema de abertura de uma novela da Rede Globo, com uma parte da letra ligeiramente modificada. Essa é uma das duas músicas em que João Caetano, com uma felicidade danada, expõe o que há de atávico e, mais puro da alma gentil e, da história do meu povo. Os versos são do companheiro de estrada, Tavinho Daher. Um desses tímidos brilhantes da cultura goiana.
"Trem do Pantanal" - Almir Sater. Nós do centro-oeste, não temos a mesma noção arraigada de região, como tem, por exemplo, os nordestinos e os sulistas. Por nossa cabeça não passa essa idéia interessante (porém autoritária) de que, somos uma unidade regional. Nos sentimos assim, como se fôssemos diletos e amigáveis vizinhos, mas, sinceramente, não nos incomodamos muito com a vida do vizinho (me lembro das férias nas praias do Araguaia, quando via os mato-grossenses tocar violão, naquele jeito sincopado, como os paraguaios...). Essa música fala da origem e do sentimento de nação dos mato-grossenses. Uma melodia muito boa e, uma letra competente e algo inventiva. Almir Sater dedilha a viola e canta, tranqüilo. Clássico regional e, pronto.
"Sultans of Swing" - Dire Strait. Cartão de apresentação da banda de Mark Knopler ao mundo. Não podia ser melhor, nem gerar mais expectativa. Um hit alegre, cheio de espírito adolescente, arrassador, onde a guitarra do band leader costura tudo, não deixando um vazio sequer e, deslumbrando o ouvinte com uma técnica impecável, inquieta e criativa, ao longo de uma longa letra. O riff, como não podia deixar de ser, é grudento e inesquecível. Todo mundo tinha essa música pra tocar no carro.
"Down Under" - do Men at Work. Essa é daquelas músicas que começa a tocar e, a gente já se imagina dentro do carro, dirigindo por ruas calmas, numa tarde de sábado, gozando de um momento de tranqüilidade e, se preparando para as delícias das festas, dos bares, da noite, enfim. Nada há ver com o sentido da letra da música. Toda a vontade de viver é provocada pela melodia. Isto é o que é o Pop!
“Esse brilho em seu olhar” - Léo Jaime. Suponho que seja do álbum “Sessão da Tarde”. Os arranjos são típicos e datados (circa 80). Sem esforço o roqueiro Léo Jaime (algum parentesco com Lindomar Castilho, que também é de uma família Jaime?) conseguiu impor um senhor hit, graças à boa letra e a melodia bacaninha. A guitarra impondo o riff que marca a música na memória também é interessante e, faz o ouvinte superar o tédio das programações de teclados e percussão. Quando descobri essa música, ouvi centenas de vezes seguidas...
“O mar serenou” - com Clara Nunes. Nesta música, a cantora impôs toda a força do seu canto, sobre um tema que destaca seu misticismo miscigenado. O ouvinte atento descobre no timbre de Clara uma referência à voz de de Elizeth Cardoso. A letra não surpreende. A melodia e positiviva, festeira. Essa tocava pra danar, nas emissoras AM.
“Io che amo, solo te” - Sergio Endrigo. Essa é de antes, acho, mas...
Um grande cantor italiano que teve entre seus fãs brasileiros, nada menos que Roberto Carlos. Os ótimos arranjos são típicos da época e procura ressaltar uma idéia, uma atmosfera. Endrigo consegue dar um tom de sonho e romance à interpretação, em especial, quando entra com a consagrada competência no refrão da música. Pra dançar juntinho da namorada (se voce nunca fez isso e quer experimentar, pode começar com esse belo standard – sim, as meninas ainda gostam de dançar junto de quem se apaixonou!...)
“A cidade” - Chico Science e Nação Zumbi. Essa foi o cartão de apresentação da banda – e do simpático Science - ao Brasil. Nela a invenção da “Mangue Beat” está totalmente decifrada: o som dos tambores de maracatú sobre as bases sampleadas, sobre o qual se sobrepõe o som de uma guitarra inquieta. Tudo isso para dar a roupagem ideal para a letra genial e objetiva - “...a cidade não para/ a cidade só cresce/ o de cima só sobe/ o de baixo só desce...”. Atual e, muito foda.