Mulher chocante

Desde que passei a dar choque, tive que tomar todo cuidado ao abrir torneiras, pegar em maçanetas, esbarrar em pessoas. Era só me distrair, alguém gritava logo.

Não conseguindo atinar nem de leve por que isto acontecia, comecei a me preocupar.Estaria doente?... Seria, por acaso, dotada de poderes sobrenaturais?... Muitas perguntas me passavam pela cabeça. Fosse lá o que fosse, era preciso saber. Em caso de doença, devia ser tratada. No caso de poderes extraordinários, por que não desenvolvê-los? Quem sabe eu não seria capaz de proezas ainda maiores?... Já pensou?

O mais certo, porém, é que fosse doença. No entanto, como explicar tal fenômeno ao médico? Ainda mais na França, o que é que eu diria ao doutor? Faltaria vocabulário... Teria que dar-lhe sardinhas para que compreendesse o meu drama.

Pensando em tudo isso, achei mais prudente conversar antes com médicos brasileiros. O primeiro que encontrei foi o psiquiatra carioca. Contei-lhe o caso. Ele refletiu um pouco e recomendou-me fazer um exame de subconsciência. Pondo a mão na consciência, certamente eu descobriria os motivos que me levavam a divertir-me tanto em dar choque nos outros. Quanto aos choques que eu mesma levava, deviam ser uma forma que, subconscientemente, eu encontrara para me redimir de minhas faltas. Só o meu subconsciente poderia dar as respostas.

Achando muito difícil tal procedimento, resolvi falar com outros médicos. Foi então que encontrei o gastroenterologista gaúcho. Este achou que eu andava abusando um pouco dos vinhos, tão gostosos, não é mesmo? Fui obrigada a admitir que gostava sim. É, mas não devemos misturar queijos fortes com vinhos, é um veneno! E tem mais. Acho que você e seu marido andam tomando uns traguinhos na calada da noite. Ouvi dizer que receberam um garrafão de cachaça do Brasil... É verdade?

Nessa mesma noite tomei um porre daqueles! Misturei vinho tinto com camembert, enchi a cara de cachaça e distribuí sardinhas chocantes a quem veio me perturbar a paciência.

Sem saber o que fazer, continuei chocada e chocante, chocando a todos que de mim se aproximavam. Nestas alturas, só mesmo os desavisados se aproximavam. Os outros, aqueles que sabiam da história, sempre mantinham uma certa distância ao conversar comigo.