Não adiantava chorar

A idéia de conhecer terras longínquas, de conviver com pessoas que falassem outras línguas me fascinava. Ao olhar fotos de cidades européias, ficava a imaginar como seria interessante viver ali. Mas não queria ir e voltar rapidinho, bom mesmo seria passar uns tempos por lá. Só que isto não podia ser feito de repente, na verdade eu nem sabia ao certo por onde começar. Ainda mais naquela época em que tudo era tão difícil, viajar para o estrangeiro quase uma epopéia. Decididamente, estava fora do meu alcance.

Porém, sonhar não é proibido e eu sonhava. Sonhava que um dia chegaria a andar pelas ruas de Paris, Londres ou Roma. Entretanto, quando e como poderia se tornar realidade, nem de longe eu atinava.

Enquanto isso, seguia minha vida, igualzinha a de qualquer estudante paulistana, mas às vezes aquela vontade apertava e eu me punha então a pensar num modo de realizá-la da forma mais econômica. Até que um dia a famosa luzinha piscou em meu cérebro: descascando batatas num navio, por que não?

Feliz com a descoberta do caminho para o mundo, anunciei a novidade a todos. Meus irmãos se puseram logo a debochar. Meus pais davam risinhos enigmáticos. Não tardou muito para eu mesma admitir que seria incapaz de tal façanha, pois nem descascar batatas sabia. Quanto mais num navio! O jeito era esperar. Um dia, quem sabe?... A oportunidade ia aparecer, tinha a vida toda pela frente...

Mas para os jovens, a vida toda pela frente é muito. O que querem que aconteça, tem que acontecer logo e eu não desistia.

Passados uns meses, surgiu-me diante dos olhos um anúncio solicitando candidatas à vaga de aeromoça. Interessadíssima, passei ao texto, já me sentindo nas nuvens. Tudo o que pediam ali eu atendia: idade, ginásio completo, rudimentos de inglês e francês, boa apresentação... Maravilha! É claro que desse modo iria à Europa e voltaria em seguida, mas para ficar por lá eu me arranjaria depois. Continuei a leitura. Foi então que veio a surpresa.

Antes do endereço, uma notinha: “as candidatas devem ter no mínimo 1,60m. e não podem usar óculos.” Nem adiantava ler o resto. Além da história dos óculos, naquelas alturas eu não podia mais modificar minha altura.

Inconformada, amassei o papel e fiquei “vendo” minha chance voar pelos ares. Adeus Londres, adeus Paris...

E não adiantava chorar.