O atropelamento

Ao sair de casa pela manhã para ir trabalhar, sua rotina nos últimos dez anos, mal sabia que um fato, até então normal nas grandes cidades, viria acontecer na sua frente, despediu-se de sua esposa e caminhou ao ponto de ônibus mais próximo de sua residência, onde todos os dias encontrava com outros trabalhadores, sua viagem demorava cerca de trinta minutos até o seu ponto de descer, mais uns quinze minutos andando até o trabalho.

Gostava de chegar cedo ao trabalho, podia bater o cartão e trocar-se com tranqüilidade, diferente dos seus colegas da empresa, que por virem com o uniforme do serviço, seja por comodidade ou simplesmente não se importarem em usar o uniforme para ir e voltar para casa, costumavam chegar em cima da hora.

Um desses colegas de trabalho, que já vinham uniformizados de casa, também utilizava a mesma linha do ônibus e muitas vezes se encontravam em seu interior, e ainda sonolentos trocavam um bom dia e cochilavam esperando chegar ao destino, no trajeto até a fábrica conversavam sobre tudo um pouco, principalmente notícias dos telejornais do dia anterior e, em um desses comentários, iniciou um papo sobre os acidentes de trânsito envolvendo motocicletas, devido ao aumento impressionante desses veículos nas ruas e a imprudência dos seus condutores.

Falavam se valia à pena comprar uma moto para virem trabalhar, e se arriscarem enfrentar a estrada sabendo do perigo dela, por causa de sua sinuosidade, questionavam entre o conforto e rapidez ou continuar nos coletivos lotados, os seus outros colegas de empresa já tinham adquirido uma moto e não haviam se arrependido, apesar de não terem muita experiência em pilotar esse tipo de transporte.

Conversa vai, conversa vem, e quando estão perto de chegar, escutam algo estranho vindo atrás, era uma moto desgovernada, e praticamente vindo em suas direções, simplesmente pararam e deixaram ela passar, porém uma senhora que vinha a frente deles não teve a mesma sorte e a motocicleta acabou acertando em cheio, a reação dos dois foi em acudir a senhora rapidamente e depois verificar se o condutor estava bem, só que ao ver quem era o responsável pelo acidente, mudaram a atitude.

Um deles continuou a socorrer a senhora, que por sinal, voou “bonito”, se estivesse em uma competição de ginástica artística, Daiane dos Santos, perderia feio, tamanha foi a plástica do movimento, como a moto veio escorregando, pegou-a por baixo, a famosa rasteira, e a levantou a mais de um metro e meio, a sua sorte que conseguiu completar a pirueta no ar, senão com certeza cairia de cabeça e poderia ser muito mais grave as lesões.

O outro foi dar suporte ao “motoqueiro” que era um dos seus colegas, e ajudá-lo a fugir, pois não possuía habilitação e andava em velocidade acima do permitido em uma área escolar, com o acidente começou uma aglomeração, e isso poderia vir a prejudicar a, digamos, “saída”, no desespero esqueceu a marmita, ligou a moto e sumiu, para piorar ele também estava com o uniforme, no entanto ninguém reparou, o que o auxiliou na hora, nem a placa anotaram.

Voltando a senhora, na ânsia de querer ajudá-la, buscou levantá-la e encaminhá-la ao pronto-socorro mais próximo, que se localizava a uns duzentos metros do acontecido, contudo a “filha da p...”, destratou-o e negando ser ajudada, “eu já trabalho lá”, disse ela em um tom áspero, apenas queria que procurassem a sua bengala, ele jurando não ter percebido nenhuma bengala saiu a sua procura, e por curiosidade subiu sobre o muro, e não é que existia mesmo a tal bengala, com o impacto a “porcaria” da bengala tinha ido parar do outro lado.

O “besta” ainda tentando ser gentil pulou o muro e jogou-a para o lado de cá, a senhora um pouco desorientada, mas melhor, pegou o seu apoio e sem agradecer continuou andando, mancando muito claro, até o seu local de trabalho, o próprio pronto-socorro, ele sabendo que pelo menos a sua parte tinha sido feita, apenas “desejou” que outra moto a atropelasse mais a frente, e voltou ao trajeto acompanhado do outro, que no caso, fez muito bem em ajudar o outro companheiro deles a sair do local.

No finalzinho do percurso, começaram a rir, não por maldade, mas pelo comportamento da atropelada, que “voou” como poucos, negou a ajuda com uma grosseria e preocupou-se mais com a sua bengala do que com o seu estado físico, e viram realmente que o índice de acidentes com motos, não era apenas estatística de televisão, e decidiram continuar a vir de ônibus mesmo. Sobre a marmita esquecida? Lembraram de pegá-la, é claro, afinal o companheiro deles também é ser humano e precisa almoçar, não é “vero”?

Regor Illesac
Enviado por Regor Illesac em 25/06/2009
Reeditado em 25/06/2009
Código do texto: T1666112
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