Relembranças
Sempre sou instado a escrever sobre a Fortaleza do meu tempo de rapaz. Alguns cearenses que moram aqui em Salvador acusam-me - numa indisfarçável censura - de escrever muito mais sobre a capital baiana do que sobre a capital do Ceará, o meu Estado.
Uma indesculpável verdade, embora essa minha "omissão" não queira significar que tenha esquecido a acolhedora Fortaleza. Mormente a Fortaleza que, na década de 1950, eu desfrutei com ardor e imensurável prazer. Dessa Fortaleza, eu guardo deliciosas relembranças.
Falo e escrevo tanto sobre Salvador porque de Bahia já tenho, sem interrupções, mais de cinquent´anos! Um dia, uma amiga cearense, mui querida, perguntou-me "que diabo você foi fazer na Bahia". E eu, justificando ou tentando justificar a debandada, respondi: foi o destino que pra Bahia me levou...
Boa parte de minha juventude eu vivi em Fortaleza. Tinha dezoito anos de idade quando por lá cheguei, e havia há pouco deixado o seminário seráfico. Desembarquei de um trem na "cidade grande" no momento mais lírico e criativo de minha mocidade, naqueles dias revestida de um inconteste fulgor.
E, agora, saibam um pouco do que foi me acontecendo. Em Fortaleza, o mundo mundano se abriu para mim, depois de quase seis anos nos rigorosos, mas saudáveis, cultos e piedosos internatos franciscanos.
Em Fortaleza, estreei como fornicador.
Em Fortaleza, dancei meu primeiro bolero.
Em Fortaleza descobri meu primeiro amor, sucedidos por outros tantos, vividos instensamente por um entusiasmado aluno do Liceu do Ceará.
Em Fortaleza, paquerei meninas do Liceu e de dois colégios de freiras: o Santa Isabel, no, à época, distante Alagadiço, e o Nossa Senhora de Lourdes, no simpático bairro de Jacarecanga. Êta tempinho bom!
A missa dominical era na igreja do Patrocínio, perto das ruas São Paulo, Imperador, Tristão Gonçalves e Castro e Silva, onde morei.
Frequentei os auditórios da Rádio Iracema e da Ceará Rádio Clube, as duas atingindo o auge em suas programações e popularidade.
Fiz serenatas nas janelas das namoradas: eu, o cantor contratado, o violão e a lua, após a meia-noite, enquanto Fortaleza adormecia. Em Fortaleza conheci o primeiro cabaré e a primeira boate, a boate Alabama, um verdadeiro arraso. Muitos anos depois, a encontrei transformada num lastimável brega.
Fui frequentador assíduo de duas famosas praças de Fortaleza: a Praça da Lagoinha, onde vivi um momento inesquecivel de amor, e a Praça do Ferreira, com sua afamada "esquina do pecado".
Nessa esquina, conhecida em todo o Brasil, com colegas do Liceu, disputava, à tardinha, o melhor lugar para ver, querem saber o quê? O vento levantar a saia das meninas. O que, aliás, não acontecia com a frequência desejada porque o tempo era das desgraçadas das anáguas...
Depois, ainda na Praça do Ferreira, um pastel no Leão do Sul ou um saboroso caldo de cana, na A Merendinha, do meu colega Geraldo Quezado.
À noite, vez em quando entrando pela madrugada, ao pé da velha coluna da hora, a vez era das anedotas do Quintino; dos papos sobre política, políticos e politiqueiros; sobre as mulheres grã-finas da cidade; e sobre o movimento estudantil, liderado pelo Liceu. Eis-me, pois, escrevendo sobre a Fortaleza da década de 1950.
Mas o que me levou, neste meu insosso são-joão, a cronicar sobre Fortaleza foi a notícia que acabo de colher, no Blog do professor cearense Evaldo Lima, sobre a restauração de um dos locais mais atraentes da capital alencarina, o Passeio Público.
Olhando para o seu frondoso baobá, em 1954, como soldado do Exército Brasileiro, integrei, algumas vezes, a guarda do Quartel General, cujo fundo dá exatamente para o histórico logradouro.
O que mais gostava, nessas noites-madrugadas de vigília patriótica - agora posso confessar sem temer o sisudo RDE - era ouvir a imensa radiola de um quiosque instalado no centro do Passeio Público. Enquanto houvesse por lá um boêmio ela tocava tangos, canções e valsinhas do Nelson Gonçalves, do Sílvio Caldas e do Orlando Silva.
Nessa época, eu namorava uma garota humilde do subúrbio de Fortaleza. O tempo me fez esquecer seu nome. Uma pena!
Pois bem. Fardado, e com um ultrapassado mosquetão sobre o ombro, eu esquecia as lições do quartel para só pensar nela, enquanto a vitrola chorosa do quiosque (não sei se ele ainda existe) tocava um samba-canção do Nelson, a pedido de um bêbado qualquer.
Curtindo, pois, esta saudade feita de tantas relembranças, exulto com a notícia da restauração do Passeio Público, a praça mais antiga da minha Fortaleza d´antanho, de hoje, e de sempre...
Sempre sou instado a escrever sobre a Fortaleza do meu tempo de rapaz. Alguns cearenses que moram aqui em Salvador acusam-me - numa indisfarçável censura - de escrever muito mais sobre a capital baiana do que sobre a capital do Ceará, o meu Estado.
Uma indesculpável verdade, embora essa minha "omissão" não queira significar que tenha esquecido a acolhedora Fortaleza. Mormente a Fortaleza que, na década de 1950, eu desfrutei com ardor e imensurável prazer. Dessa Fortaleza, eu guardo deliciosas relembranças.
Falo e escrevo tanto sobre Salvador porque de Bahia já tenho, sem interrupções, mais de cinquent´anos! Um dia, uma amiga cearense, mui querida, perguntou-me "que diabo você foi fazer na Bahia". E eu, justificando ou tentando justificar a debandada, respondi: foi o destino que pra Bahia me levou...
Boa parte de minha juventude eu vivi em Fortaleza. Tinha dezoito anos de idade quando por lá cheguei, e havia há pouco deixado o seminário seráfico. Desembarquei de um trem na "cidade grande" no momento mais lírico e criativo de minha mocidade, naqueles dias revestida de um inconteste fulgor.
E, agora, saibam um pouco do que foi me acontecendo. Em Fortaleza, o mundo mundano se abriu para mim, depois de quase seis anos nos rigorosos, mas saudáveis, cultos e piedosos internatos franciscanos.
Em Fortaleza, estreei como fornicador.
Em Fortaleza, dancei meu primeiro bolero.
Em Fortaleza descobri meu primeiro amor, sucedidos por outros tantos, vividos instensamente por um entusiasmado aluno do Liceu do Ceará.
Em Fortaleza, paquerei meninas do Liceu e de dois colégios de freiras: o Santa Isabel, no, à época, distante Alagadiço, e o Nossa Senhora de Lourdes, no simpático bairro de Jacarecanga. Êta tempinho bom!
A missa dominical era na igreja do Patrocínio, perto das ruas São Paulo, Imperador, Tristão Gonçalves e Castro e Silva, onde morei.
Frequentei os auditórios da Rádio Iracema e da Ceará Rádio Clube, as duas atingindo o auge em suas programações e popularidade.
Fiz serenatas nas janelas das namoradas: eu, o cantor contratado, o violão e a lua, após a meia-noite, enquanto Fortaleza adormecia. Em Fortaleza conheci o primeiro cabaré e a primeira boate, a boate Alabama, um verdadeiro arraso. Muitos anos depois, a encontrei transformada num lastimável brega.
Fui frequentador assíduo de duas famosas praças de Fortaleza: a Praça da Lagoinha, onde vivi um momento inesquecivel de amor, e a Praça do Ferreira, com sua afamada "esquina do pecado".
Nessa esquina, conhecida em todo o Brasil, com colegas do Liceu, disputava, à tardinha, o melhor lugar para ver, querem saber o quê? O vento levantar a saia das meninas. O que, aliás, não acontecia com a frequência desejada porque o tempo era das desgraçadas das anáguas...
Depois, ainda na Praça do Ferreira, um pastel no Leão do Sul ou um saboroso caldo de cana, na A Merendinha, do meu colega Geraldo Quezado.
À noite, vez em quando entrando pela madrugada, ao pé da velha coluna da hora, a vez era das anedotas do Quintino; dos papos sobre política, políticos e politiqueiros; sobre as mulheres grã-finas da cidade; e sobre o movimento estudantil, liderado pelo Liceu. Eis-me, pois, escrevendo sobre a Fortaleza da década de 1950.
Mas o que me levou, neste meu insosso são-joão, a cronicar sobre Fortaleza foi a notícia que acabo de colher, no Blog do professor cearense Evaldo Lima, sobre a restauração de um dos locais mais atraentes da capital alencarina, o Passeio Público.
Olhando para o seu frondoso baobá, em 1954, como soldado do Exército Brasileiro, integrei, algumas vezes, a guarda do Quartel General, cujo fundo dá exatamente para o histórico logradouro.
O que mais gostava, nessas noites-madrugadas de vigília patriótica - agora posso confessar sem temer o sisudo RDE - era ouvir a imensa radiola de um quiosque instalado no centro do Passeio Público. Enquanto houvesse por lá um boêmio ela tocava tangos, canções e valsinhas do Nelson Gonçalves, do Sílvio Caldas e do Orlando Silva.
Nessa época, eu namorava uma garota humilde do subúrbio de Fortaleza. O tempo me fez esquecer seu nome. Uma pena!
Pois bem. Fardado, e com um ultrapassado mosquetão sobre o ombro, eu esquecia as lições do quartel para só pensar nela, enquanto a vitrola chorosa do quiosque (não sei se ele ainda existe) tocava um samba-canção do Nelson, a pedido de um bêbado qualquer.
Curtindo, pois, esta saudade feita de tantas relembranças, exulto com a notícia da restauração do Passeio Público, a praça mais antiga da minha Fortaleza d´antanho, de hoje, e de sempre...