Dia de Pagamento – de onde surgem tantos ambulantes?

Dia de Pagamento – de onde surgem tantos ambulantes?

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Deve haver uma espécie de captação telepática de pensamento do pessoal do financeiro, por parte dos vendedores ambulantes ou, estes devem ser mesmo adivinhos. No dia em que invadem sorrateiramente as dependências do prédio com suas imensas sacolas e tenaz disposição, não há dúvida alguma: o pagamento da galera caiu na conta.

Não sei bem, mas antes de vir para as vendas, suponho que se reúnam, para marcar data e, horário, para não haver tumulto ou confusão. Aí, dão um jeitinho, burlam com esmero os controles de acesso do prédio onde trabalho, para exercer o seu ofício.

São admiráveis, por que são pessoas de inciativa, que rompem todas as barreiras e adversidades, e, vão à luta, antes, ou depois de empregos formais. E, a maioria, não aceita mais emprego, porque se dá bem assim e, dessa atividade, tira o sustento, constrói sua casa e, leva uma vida de conforto, que muitas atividades formais não dariam, minha cara (vou pegar como exemplo, a vendedora de pizza, da qual, falo adiante; ela era bancária. Foi demitida e, caiu na vida. Agora tem até carro novo tirado das vendas que faz e, não aceita mais emprego nenhum!).

Mesmo que discretamente, cada um faz o pregão do que vende, o que, até, diverte - cada um n seu estilo, com sua sintaxe, seu fraseado, suas malandragens e, até provocações. Mas, claro, onde tem ambulante, fatalmente, tem pregão.

A variedade da origem dos ambulantes e, os produtos que vêm ofertar é bem curiosa: de Minas, chegam os vendedores de queijos especiais - entram pela sala, descem a sacola no chão, exibem os produtos e, distribuem pedaços para degustação ("vamo, gente, só um pedacinho do queijim pra esprementá. E pode ficar tranquilo, que pego cheque pra 30 dia!...”

De algum lugar da cidade vizinha, vem a vendedora de mini-pizza, puxando seu carrinho de feira, abarrotado daquela tentação hiper-calórica. Mas, dos mineiros, ela precisa aprender a lição de exibir e estender o produto, tentar o consumidor em potencial (eu, nem precisa, sempre a cerco nos corredores, pra comprar).

Do Maranhão, vem o vendedor de doce de buriti, encaixilhado em folha de bananeira seca - este, aparece sempre com seu chapéu de palha e sotaque característico. Mas, quando não vende o doce, parte para a oferta de panos de prato bordados "...pelas maranhenses".

De algum lugar da capital, vem o vendedor de roupa para cama. Às suas amostras chamativas, as mulheres não costumam resistir - até porque, ele vende em muitas parcelas.

De não sei onde, surge de repente, o vendedor de DVDs piratas. Ele, por conta dos riscos, entra e sai rápido das salas, traficando sua mercadoria criminosa - filmes que nem chegaram aos cinemas, cópias de DVDs de shows e, por aí vai (um amigo me emprestou um desses pra assistir; teimei, mas aceitei. Na hora em que pus para rodar, ouvi um pigarro, seguido de tosse e, achei que era em casa. De repente saquei que vinha do som da tv - tinham feito a "cópia" dentro de uma sala de cinema. Aí não me assustei, quando passou uma sombra arqueada, na tela...).

Do centro empobrecido da cidade, vem os vendedores de assinatura de revistas - seu nicho de comercialização está com os dias contados, pois hoje pouca gente se dá ao trabalho de assinar jornais e revistas, convenhamos, mas, ele não se dá por achado e, vai em frente.

Atrás dele e, da mesma região, suponho, vem os vendedores de enciclopédias estudantis, livros infantis com CDs encartados e, DVDs (originais) do Castelo Rá-Tim-Bum e Cocoricó. Vendem uma barbaridade. A conta? "Nada! Pague sessenta dias depois, dona. Só assinar a nota..." E elas assinam.

Me esquecia dos vendedores de consórcio para veículos e imóveis. Agora, estão faturando por conta da situação do mercado de carros novos e, porque ofertam consórcios para cirurgias médicas! Vasto mundo...

Mas, não faltam evidentemente, as vendedoras de produtos mais luxuosos: vem de bairros mais abastados, pra ofertar para as meninas bolsas, sandálias, jeans, bijuterias e, jóias. Parece uma festa. Invadem a sala vizinha da biblioteca e, aquilo vira um colóquio sobre moda e tal... Saio no corredor e, encontro com elas, a caminho do banheiro feminino, com o olhar desconfiado, todavia contentes e confiantes, com as mercadorias embaixo dos braços. Não resistem - não mesmo!

Pouco antes ou depois, aparece o vendedor de "produto para matar barata e, cheirinho para o carro". Santo Deus, há quanto tempo o vejo, com sua maleta de couro, vendendo isso, pela cidade afora - mais de vinte e tantos anos! Agora, está com os cabelos e bigodes brancos e aposentado pelo INSS, mas continua vendendo. Um dia, peguei ele lavando batom na gola da camisa no banheiro e, puxei pra conversa e, ele me contou a vida toda. Agora, diz ele, só trabalha pra tirar o dinheiro da coca-cola e do forró, ao qual vai pelo menos três vezes por semana, lá perto do Mutirama! Veinho espoleta, rapaz...

Mas, hoje, novidade: apareceu nos fundos do bloco, um vendedor de talheres de alumínio. Começou com um pregão e, logo, juntou gente: "Olhaê, olhaê, cinco colheres pra cozinha, por 15. Cinco por 15 real. Promoção, promoção..." Também fui lá, conferir. Cercado de gente e, movido por evidente eflúvio etílico, batia uma colher na outra e, dizia: "não quebra, não quebra!...". Mas, aí, passou da conta e, atirou uma das colheres no chão para provar o que dizia. Que barulho do cacete! Don, que também estava lá, disse a ele: "rapaz, com esse barulho aí, ninguém vai te comprar nada - o gerente de área vem e, te garfa!" Ele murchou e, cheio de mesuras apatetadas, pediu desculpas. Mas, tudo bem: vendeu o resto da mercadoria que trazia e, todo contente terminou o pregão: "acabou, acabou, gente - obrigado, obrigado! Bom agora, vou tomar uma 'branquinha' pra refrescar...".