Standards – as músicas que me balançaram (II). "Esses moços"...
Standards – as músicas que me balançaram (II). "Esses moços"...
(MPB, censura, anos de chumbo, standard, Goiânia, GYN)
Na década de 70, vigiam os chamados “anos de chumbo” - uma ditadura militar cuidava de submeter e tentar guiar os sonhos e, esperanças dos brasileiros. Censura é algo inerente a esse tipo de regime. E a censura brasileira perseguia a todo mundo, num espectro que ia de Chico Buarque a Odair José, no mundo da música. Os critérios dos censores, à vezes pareciam bisonhos.
Não me recordo de censura à música estrangeira – talvez porque fosse de consumo restrito à elite da população.
Nos 70, o Rock and Roll ia perdendo o vigor e os rumos e, a MPB estava pautada pela temática política, pois o engajamento era sistematicamente cobrado dos chamados setores "organizados" da sociedade.
Minha adolescência coincidiu justamente com o estouro da Disco Music, o definhamento da MPB engajada (Ivan Lins e Gonzaguinha chegando atrasados para a pose...) e, o surgimento da geração dos nordestinos – Fagner, Zé Ramalho, Alceu Valença, Geraldo Azevedo e, ainda, o início do processo de urbanização da música sertaneja (caracterizado pelo ingresso de Sérgio Reis e, o início da escalada de Chitãozinho e Chororó). Mas, eu ouvia de tudo o que vinha - do rádio, da televisão, em em casa, nas festas e, na casa de meus avós.
Pensando nisso, me lembro de alguns petardos isolados que tocavam no rádio:
"Tear drops, keep falling on my head", escrita, acho e, gravada por B. J. Thomas para a trilha sonora do filme "Buth Cassidy and Sundance Kid". Cada audição desse standard clássico é um mergulho numa atmosfera de alegria sincera - e, o título induz a gente a sair pra rua, debaixo da chuva fina do inverno do centro-oeste. Engraçado que, não a associo a qualquer imagem do filme. Ela subsiste por si, na memória. É daquelas músicas que todo bom compositor gostaria de ter feito.
"BR 03", do Tony Tonardo. Música de festival, censurada... Talvez fosse o bastante pra fazê-la famosa. Mas, olha, que passado o refrão, a melodia é jeitosa e, até comove (me lembro da imagem de Tonardo, black power total, imitando James Browm, enquanto cantava essa música...).
"Pela luz dos olhos teus" - tá certo que ela faz parte do repertório clássico de Tom Jobim, mas a considero um standard, por dois motivos: era parte de um trabalho em parceria que nunca mais seria repetida - com Miúcha e, porque, ela parece ter uma atmosfera adocicada, que difere um pouco do repertório normal do Maestro. Gostosa de ouvir. Induz a paixões, até os apaixonados.
"Look at her (Mirala)", Disco music sacolejante, pesadona, suarenta, feita pra pista de dança e, que, foi o cartão de apresentação de Barry White, no Brasil - essa é uma das que eu e meus amigos ouvíamos lá na terrinha, no programa "Voo Livre", da Rádio Mundial, à tardinha - o único que só tocava Disco e, trazia as novidades que a gente ia sugerir para que um amigo comprasse e tocasse na "Zizito's Disco Club", nos embalos de sábado à noite (ô, saudade de ouvir o locutor: "...Mundial é super jovem. Voo Livre, com os maiores sucessos do som das discotecas...!").
"Anos Dourados" - duas figuras fundamentais e lendárias da MPB num dueto magnífico, não pela técnica, mas pela sensação de intimidade, cumplicidade e prazer com que cantam um clássico de composição própria. Ouvir a de Chico sendo acompanhada em círculos pela voz de Tom, que vai trazendo a melodia com técnica e manha no piano, nos provoca a sensação de estar vivendo um momento ímpar na vida, que parece ser a repetição de memórias, de momentos passados por nós e por outros e, aquela sensação de querer se enamorar, tem um par com quem dividir uma dança pelo salão, desprendidos do tempo e, das dúvidas, sentindo-se não menos que eterno, em algum lugar dos anos 60, onde uma banda de primeira toca com prazer, para encanto dos presentes. Minha nossa, que melodia genial e sutil, que letra reveladora e superior!
"Riders on the Storm" - a Banda de Jim Morrison e Rey Manzarec numa performance inesquecível. O canto raivoso obstinado e catártico de Jim e substituído por um vocal manso e tranqüilo feito uma chuva noturna. O piano de Ray Manzarec vai me levando a embarcar na jornada. Não tem jeito, me sinto fisgado - e lá vou eu numa viagem cinestésica, com o coração no compasso do baixo elétrico e da bateria que apenas se insinua, como gotas caindo na calçada. Quantos anos tem essa música? Parece - e, é, para mim - atemporal, destinada a ser eterna...
"A cruz que carrego" - Evaldo Braga. A primeira vez em que ouvi essa música, era criança e, morava na fazendola do meu avô (que era uma espécie de colônia da família) - o rádio nas alturas, para que minha mãe ouvisse lá no terreiro da casa de pau-a-pique, enquanto lavava as roupas da família. Esse cantor era da linha do que depois se convencionou de brega (termo que veio do Pará e designava, originalmente, boates e inferninhos, onde se tocavam músicas popularescas), isto é, cantores que gravavam músicas de temas supostamente dirigidos para as classes mais populares. O cara tinha uma uma voz de barítono de uma potência tremenda, e ele emprestava a cada interpretação aquele estilo dramático acentuado e típico. Nesta música, o refrão dramático parece até patético, tal a carga emocional da voz (metais lá atrás, atacando...). Mas, se voce ouve, e não esquece mais. Ficou grudada na minha memória. "Sinto a cruz que car-r-r-r-r-r-r-rego bastaaante pesadaaaaaaaa!..."
'Esses Moços". De Lupiscínio Rodrigues, cantado por ele mesmo. Essa música foi gravada por Lupi no tempo em que tudo ocorria numa tacada só, com o "regional" (banda ou grupo de músicos que faziam acompanhamento dos cantores em estúdio, ou shows, geralmente composta de baixo de pau, percussão, violão, violão de 7 cordas, cavaquinho e metais) e, o próprio cantar, numa única sessão. Lupiscínio era daqueles, da ala popularesca, mas suas letras tinham um quê de muito diferente, de pessoal, de confessional, que outros compositores não eram capazes de tecer. Pois, bem. Esses moços, não é, talvez a música mais conhecida ou celebrada dele. Sua letra e melodia, porém, são belíssimas. Parece inclusive, que ela a reservou para si, tal a forma com que o andamento da melodia e, os versos da canção se casam com sua voz rouquenha e, curta, e não são afetadas por sua incapacidade de cantar frases mais longas, por conta da deficiência na respiração. E ele a canta de um jeito comovente, como se fosse, mais uma de suas composições, mas, uma confissão, um legado. "Esses moços, pobres moços, ah!, se soubessem o que eu sei..." Dificilmente se vê uma música ser aberta com versos tão belos. (Num dia qualquer da minha adolescência interiorana, sem mais nem menos, achei uma letra e comentários sobre a obra de Tom Jobim. Aí, fui atrás de informações. Tempos depois, chegou às bancas um fascículo sobre MPB, publicado pela Abril Cultural, que vinha com um disco e textos críticos sobre a obra dos compositores. Se não me engano, o de Lupi foi o segundo e, o de Jobim, o quarto ou quinto. Ouvi aquelas músicas todas - boa parte das suas, cantadas pelo interprete oficial de sua obra, Jamelão e, em termos de gosto musical, nunca mais fui o mesmo)...
"The thrill is gone". Este blues tem diversas versões gravadas pelo próprio B.B. King. A minha favorita é aquela que foi gravada ao vivo no Cock Jail County, onde, num dia inspirado, ele e sua banda de virtuoses a cantam com entusiasmo, vontade e, tesão ("vamos dar a esses caras o que eles não esperam, rapazes!", deve ter dito em pensamento, o mestre, para a banda). Lucille, alucinada como nunca, geme, grita e exulta, submissa. O piano está inquieto, a bateria com viradas extraordinárias, a linha de baixo sincopada e, a voz máscula e segura de King não deixa dúvidas que aquele foi um dos momentos singulares da música popular e, do blues, em particular - do meio para o fim, a menos que esteja enganado, o andamento simula o andamento de um longo e convulsivo orgasmo masculino!
"Não quero mais saber de ti", de Carlos Dafé (que era irmão de Lady Zú, a quem Chacrinha tentou emplacar como rainha da Disco Music brasileira). Uma letrinha razoável e, melodia, talvez. Só que Dafé a contou com muita garra e vontade. Sei lá por que gosto tanto dela - lembrança com amores fugazes da adolescência, talvez...