Standards – as músicas que me balançaram (I) "It's not for me to say"...

Standards – as músicas que me balançam (I) "It's not for me to say"

(Standard, músicas do rádio, rock and Roll, MPB, música sertaneja, Goiânia, GYN)

No começo da adolescência, como aconteceu a muita gente, me apaixonei pela idéia (fugidia) de ser músico – tocar numa banda, gravar, excursionar, coisas assim...

Na época, não se admitia falar em ouvinte de standards, isto é, uma músicas isoladas, de paradas (ao contrário do que acontecia lá fora - Inglaterra, por exemplo) e, menos ainda, discutir a qualidade de uma música, isoladamente.

Qualquer um que pretendesse falar um pouco mais a sério de música, tinha que ouvir trabalhos completos, obras inteiras, tinha que ser fã de determinado artista – ter, uma discografia mínima, para ser levado a sério.

De todo jeito, me sentia intimidado, mas procurava ouvir os trabalhos dos músicos que me chamavam à atenção - mas, não podia fugir da curiosidade de um standard tocado no rádio, na televisão, ou na casa de alguém, numa seleção feita por um amigo. Era a partir dali, que começavam boa parte dos fanatismos...

Pensando sobre isso, acabei me lembrando que, muitos dos standards que ouvi ao longo do tempo foram ficando na memória, isolados, mas vivos e juntos a velhas lembranças. E, resolvi teclar umas linhas sobre essas músicas, como homenagem ou, sei lá, descarrego. E, a primeira que me vem à cabeça, é:

- "A whiter shade of pale", do Procol Harum, classicão do rock cabeludo que tocou muito no rádio. Me lembro de ouví-la muito à tarde, quando minha mãe ligava o rádio para se entreter, enquanto cuidava dos afazeres domésticos. Numa emissora AM, o som não era bem ruim e, eu não entendia nada de inglês, mas, ficava impressionado com o tom etéreo e a força de interpretação do cantor, a condução da música pela banda, com longas viradas de bateria e, a intervenção constante de um órgão hammond, que acaba por sugerir a mim, o tema cantado, isto é, os efeitos de uma noite de doideiras lisérgicas.

- "Meu velho pai", de Leo Canhoto e Robertinho - pense numa dupla de sertanejos que embarcaram no visual híppie (cabelaço, cintão, calças de boca larga) e, faziam de seus discos um amontoado anárquico de experiências, introduzindo na música do homem do campo temas mais urbanos, o som da guitarra com pedaleira e, até, músicas (que resultavam depois, em apresentações de "peças" em circos, desenvolvendo o tema!) sobre personagens de "west spaghetti" abrasileirados - Jack Matador, Buck Sarampo... Pois, bem. Agora imagine essa mesma dupla surpreendendo numa canção em que, acompanhados somente de um fantástico piano acústico, prestam uma emociante homenagens à figura paterna? Essa ouvia muito à noite, na casa de minha avó, quando meus tios ouviam o programa "Linha Sertaneja Classe A", na Rádio Record, nas noites de violão, sanfona e, jogo de truco.

- "It's not for me to say" - Ok, Johnny Mattis era um puta cantor com um reportório pra lá de respeitável. Mas, essa aí, parece destacada do conjunto. Ela me indica um momento único, onde se juntaram uma grande canção, um excelente arranjo e um intérprete no ápice da inspiração interpretativa. Ouvia essa música esparsamente. Essa música tinha (e ainda tem) o dom de me interromper no que estiver fazendo, para ouví-la. Alguns anos atrás, a encontrei numa coletânea - bom, os vizinhos devem ter pensado que estava atacado por uma neurose profunda, pois a ouvi repetidas vezes, por dias seguidos. Essa música faz a gente desejar ter o dom de cantar. Arranjo impecável, com destaque para o piano que pontua a canção, como se gotejasse notas e acordes matinais.

- "Lágrimas da Alma", gravada por Tibagi e Niltinho - nunca ouviu falar deles? São sertanejos dos anos 60. Duas vozes potentes e, um único violão bem executado, com o primeiro acorde abafado, metais pontuado e, uma letra exasperada. Deve ser versão de música mexicana (os arranjos dos metais evidenciam isto), mas, do jeito que foi registrada, impossível não sentir o rastro do blues por ali (sim, a música caipira aceitou influências e, virou sertaneja e, esta, um portal de entrada de ritmos e experiências musicais). De alguma forma, eu a associo mentalmente o seu clima com uma capa de um disco do Lobão -"Da natureza dos lobos", acho. Se fosse cantor, queria gravar essa música, mantendo o clima intimista e o tom desesperado...

- "Pingos de Amor", do Paulo Diniz. A alegre tristeza de lembrar e pedir reconciliação a um amor perdido, numa música cuja melodia é quase simplória, mas gruda na cabeça. Foi bem arranjada e funcionou bem para o falsete de rouquidão forçada do cantor, que tinha um repertório irregular. Mas, ele tinha um e outro coringa para mostrar, como por exemplo, "Um chope pra distrair". É o tipo do standard que caberia bem na trilha sonora de algum filme brasileiro, eu acho.

(Continua...)