Reminiscências da infância
Nasci num casarão que possuía mais de dez cômodos e que foi demolido quando eu tinha uns dez anos. Paredes altas, janelas robustas, assoalho de tábua em cujas frestas eu sentia o vento passar, trazendo uma mistura de cheiro de poeira, mofo e madeira velha. Naquela época Divisa Nova era uma cidade pequena, sob todos os aspectos e todos se conheciam, sabiam nome, sobrenome e um pouco, se não quase tudo, um da vida do outro.
No quintal da minha casa (que nós chamávamos de horta) havia pelo menos uns quinze pés de jabuticabas, com frutos de todos os tamanhos e era muito divertido escalar os galhos das árvores e colher os frutos maduros no pé. E quando acabavam as jabuticabas, vinham as mangas, as mexericas de casca cheirosa e por entre os galhos e frutos eu fazia os meus brinquedos de infância: os meus cavalos, os planadores e os balanços que eu via nos parques de diversões.
À noite, quando ia dormir, exausto de todas as brincadeiras, eu só me lembro de que tinha medo de morrer. Cobria a cabeça com o cobertor e ficava pensando, tentando entender a morte. Nunca nenhum adulto havia conversado comigo sobre isso, e essa tafofobia me atormentou por um bom tempo.
Minha admissão no primário não foi uma experiência plausível, pelo contrário, foi uma experiência frustrante. Tive uma certa resistência e não me senti à vontade nos bancos escolares nos primeiros meses de aula. Essa adaptação ao novo espaço demorou um pouco. No fundo acho que eu não via a escola como uma extensão da minha casa, mas como uma privação de tudo de bom que eu tinha fora dela.
Dessa época, minha memória consegue trazer de volta alguns flashes, de certa forma os momentos que mais marcaram, como as quermesses da praça da Matriz, os circos armados na praça do cemitério, a procissão do Senhor morto e os passeios de carro de boi.
O fato é que o tempo vai passando, os velhos casarões cedem lugar às novas construções, o chão de terra vira asfalto, as velhas árvores viram cinzas e a nossa infância fica perdida no vazio do tempo.