Cidade em Chamas
Sentimentalmente os carros fogem as pressas para o interior da capital. Apressados atropelam-se e os pais se esquecem dos filhos em casa, acidentam-se, quebram no meio da estrada. Tudo a fim de fugir da capital espairecer para as bandas de lá. O interior lota nesse dias juninos. E vocês me perguntam eu? Não, turma. Eu deixo esse coração aventureiro reservado a outras fuleragens e vagabundagens. A cidade fica ótima para caminhar já que esta vazia, não há ninguém para esbarrar. Tempo bom para rever velhos amigos e de preferência, aconselho, vá com fome. Pois nessa época comida boa não falta na casa dos outros.
Desde criança nunca fui fã de São João nunca tive apresso a não ser pelas bandas de forrós que fazem à trilha sonora da estação. Além do mais eu odiava quando minha mãe me levava as festinhas da escola, pois isso me traumatizava muito. Essas festas me deixavam irritado e um tanto nervoso. Ouve uma vez que Claudinha me convidou para dançar na quadrilha, na época eu tinha uns nove anos eu disse não que mesmo assim danada insistiu dando-me um beijo no rosto e me pegando pela mão. Jurei que iria matá-la por isso. E matei anos depois, não com as mãos como planejei, mas sim, de prazer. Ah! Claudia. Quantas saudades.
Certo dia após almoçar na casa da minha mãe, passeava pela comunidade que morei e lembrei das traquinagens de menino. Quando peguei o pobre cachorro Bebe, pense num cachorro metido a valente era Bebe. Não durou muito de eu me abusar com ele e dar-lhe lição. A quem defende aos animais me perdoem mais bem que mereceu. Numa tarde eu dei de comer a Bebe que me deu uma mordida, vejam, eu dei comida ao miserável é assim que ele me paga. Depois de dar uma carreira tentei fazer as pazes e o cão, nada. Decidido a dar uma boa lição, aproveitei sua ausência de valentia. Ele estava dormindo e então amarrei em seu rabo seis bombinhas e fui acendendo uma por uma, a primeira explodiu perto de mim e as outras acordaram Bebe que até hoje corre com fogo rabo. Outra vez foi quando eu meus primos pegou uma lata, apelido de Apollo I e colocou um monte de bomba com sentido de fazê-la voar até a lua, tinha-mos dez rojões. Deixamos a lata de cabeça para baixo enquanto fazíamos à contagem regressiva. Passou-se dez segundos e nada, Umbigão, o menino mais feio da rua, apelido esse por causa do seu enorme umbigo. Curioso foi abrir a lata pintada em verde e amarelo, a lata explodiu na sua testa causando um reles talho que ia de uma ponta a outra da cabeça. Após o azarento ir para Restauração, fizemos segunda tentativa. Colocamos mais rojões e acedemos. O pipoco foi tão forte, mais tão forte que senti o chão tremer. A lata nacionalista foi parar na casa de Neide que arrombou o telhado derrubou um monte de panelas e quebrou uns cinco pratos e pelo estralo e ainda bateu na cabeça de Fernanda quebrando-lhe os óculos e por isso a quadrilha da Rua Mar sem fim perdeu. Voltamos para mais uma tentativa Eu, Januário, Delano. Juntamos nossas moedas para comprar mais bombas e arranjamos uma lata de manteiga para fazer um foguete mais bonito. Ele se chamou Apollo III nesse vai e vem de bombas, compramos todo estoque do cara que ficava na esquina em frente à barraca de cachaça de Seu Dedé. Ficamos caladinhos atrás da Kombi contando os segundos, lá dentro da lata havia cordão, rojão, bomba atômica, míssil e quem dúvida, tinha até uma replica da besteirinha que bagunçou Hiroshima. Justamente no zero quando tampamos o ouvido e fechamos os olhos à lata subiu e misteriosamente desapareceu. Acreditamos que foi para lua, pois esse era seu trajeto. Mais os meninos dizem que uma lata de manteiga estourou gerador do poste e por isso ficamos todos sem luz, sem quadrilha, sem fogueira por causa chuva, numa perfeita noite tranqüila.
Hoje já não tenho mais trela para isso, eu era um Diabo e me tornei santo sem Deus. Acho que é isso que vida oferece quando se chega a tal tamanho. A quietação dos dias e a certeza que amanhã não farei nada. E terei o dia todo para me lembrar de tais planos e outros terrorismos quando eu praticava junto com minha patota. Naquele tempo não precisávamos de turbantes e ideais. Bastavam algumas pólvoras. E nosso pequeno e inocente Talibã fazia a festa.