SÔNIA, UM CASO RARO

SÔNIA, UM CASO RARO

A arma que ainda estava na mão de Sônia fumegava. Ainda também ouvia um zunido chato. Abaixou a mão, e lentamente colocou seu marido em posição de cadáver em cima da cama. Tomou um banho e deitou-se ao lado dele. Foi a última noite que passaram juntos.

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Sônia abriu os olhos e olhou para seu marido recém morto, sentiu um vazio e um súbito remorso, não por te vivido horrores por tantos anos como ele, mas por tê-lo matado. Sônia era a mulher mais maltratada da face da terra, humilhada todos os dias, isso quando não levava surras lancinantes, para ser mais específico, eram surras de criar bicho.

Nelson era um mau caráter de primeira, um amigo de terceira e um amante de quinta. Homem do norte, não levava desaforo pra casa, porém não agüentava brigar com ninguém, era um molengão, parecia na face ser durão, mas não era. Valente mesmo só com mulheres que não agüentavam com seu tamanho robusto.

Sônia casou-se com Nelson porque amava em demasia todos os seus defeitos. Amigos e familiares achavam um absurdo, sua mãe sempre ressaltava:

- Seu falecido pai nunca abençoaria essa união. – Mas Sônia sem nenhum ressentimento respondia:

- Papai morreu infeliz por que você mamãe era muito santa.

Estava na cara, Sônia gostava de tudo o que era errado, porém, um probleminha apenas, ela própria não tinha coragem de fazer mal pra ninguém, sequer matava uma barata. Quando via filmes de violência ficava fascinada, principalmente quando se tratava de crimes passionais. Mas nunca teve coragem nem de erguer a voz com Nelson.

A última que Nelson aprontou foi de arrepiar (claro que Sônia sofreu, mas adorou). Numa noite já era alta madrugada Nelson chegava da farra e Sônia o esperava na porta, já num intuito de provocar uma briga, e conseguiu:

- Chegou cedo hoje Nelson, até parece que não estava... Nelson nem deixou terminar de falar e deu-lhe logo um tapa, bem no meio da cara.

Sônia vivia com roxos em todo lugar do corpo, e o mais impressionante, feliz. Ninguém entendia aquilo, diziam que ela gostava de sofrer, e de fato era mesmo. Quanto mais sofria, mais feliz ficava. A cada nova surra, a cada nova traição, viveu feliz por longos anos.

Um dia Sônia depois de voltar da casa da mãe, onde adorava ir só pra ouvir dos outros o quanto ela sofria. Teve uma surpresa, encontrou seu marido em casa sentado em sua cama chorando, logo ele que nunca chorava. Sônia não se conteve em saber o porquê ele chorava perguntou:

- Nelson o que você faz a uma hora dessas em casa e ainda por cima chorando como uma mulherzinha. – Nova surpresa, Nelson sequer levantou a voz, e quase num cochicho:

- Desculpa. – Aquele pedido foi sórdido para os ouvidos de Sônia, era tudo o que ela não queria. – Meu amor hoje eu vi que te amo, por favor, eu peço que me perdoe por tudo o que eu te fiz passar, eu me arrependo de cada tapa que te dei. – De fato aquele homem se arrependeu amargamente do que fez, dava pra ver em sua face. Sônia atônita com o novo marido que estava prestes a ter não pensou duas vezes, correu na gaveta da escrivaninha puxou uma arma e apontou para Nelson e deu-lhe dois tiros no peito.

Um dia ouvi um amigo dizer que algumas pessoas gostam de sofrer.

Renann Calazans
Enviado por Renann Calazans em 22/06/2009
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