Desfazendo as malas...
Águida Hettwer
 
 
    Carrego o peso das lembranças, nas malas por desfazer, talvez queira prolongar as emoções um pouco mais. Como namorar a vitrine antes de comprar, num jogo de sedução, até chegar à aquisição final, com direito a nota fiscal anexada na embalagem.
 
    Agasalho a alma com o calor de abraços, risos inéditos, sotaques cantantes, vento murmurante entre as palmeiras a beira da praia. Colhi conchas de saudade, pisei em areias brancas que se misturavam ao meu tom de pele. Arrastei a memória, no pátio da infância, corri contra o tempo, feito criança, deitando sonhos entre as pedras.
 
   Deixei assentos ocupados, em cada lugar que visitei, carreguei a cidade na palma da mão, dei “Bom dia” ao mar, antes do sol nos descobrir.  Trouxe na bagagem muitas histórias, inspiração para próximas prosas. Fiz novas amizades falando da previsão do tempo. Antecipei o verão sobre as dunas.
 
   Embeveci o tempo de saudade, nas linhas da literatura, fisgando sentimentos alheios, velejando nos corações a deriva. Entrego-me a contemplação dos retratos, paisagem pincelada por Deus, moldura talhada por mãos divinas. Ainda ouço o gemido das águas, quebrando na pedreira, e o ar fresco contornando as matas da minha existência.
 
   Ao desfazer as malas, embrulhei lembranças, nos frascos dos perfumes, essência de maresia. Na minha inquietante jornada, moldei no barro, minhas pegadas, ao guardar os sapatos, percebi que trouxe amalgamado nas solas, o pó das estradas onde pisei.
 
 A memória decorou as ruas e recantos, sentou-se na varanda das antigas casas, borrando o olhar em lágrimas, revivendo cenas, nas tiras das rendas, vendidas na beira da praia. Pescando sonhos, outra vez me proponho.
 
 
 
 
22.06.2009