Expondo os "Bichos"
Expondo os “Bichos”
Acreditamos que um ponto forte da psicoterapia em grupo é termos a oportunidade de ouvir sobre neuroses, dificuldades, inibições e outros “bichos”, entendendo, assim, que outros estão em situação semelhante e que não estamos sozinhos.
Entendemos na vivência do rico processo da psicoterapia em grupo, que são diversas as formas do ser humano manifestar “seus bichos” e que a essência dessas manifestações é praticamente a mesma: “a impulsividade dos cavalos selvagens das paixões assustam a timidez e a insegurança do cocheiro da razão”.
Temos que interromper nossa prosa, para registrar uma historieta criada por aqueles que subestimam as terapias de apoio por meio da análise.
Contam que, certa vez, um rapaz do tipo “chocante”, cuja idade já o habilitava a trocar as fraldas de filhos, encontrou-se com uma amiga do tempo de colégio.
Papo vai, papo vem e os principais eventos da vida de cada um estavam sendo colocados em dia, até que o rapaz confidenciou à amiga: “estou fazendo análise, pois não são poucas as vezes em que acordo com a cama e com o pijama molhados de xixi. Isto incomoda-me tanto, que não consigo firmar-me num trabalho e fico cheio de inibições com as mulheres”.
A amiga lamentou, incentivou-o a dar a “volta por cima” e despediu-se.
Alguns anos depois os dois encontraram-se. O rapaz, cheio de entusiasmo, vai logo contando para a amiga: ”já casei e sou pai de uma bela menina”.
Demonstrando surpresa, a amiga felicita-o e imediatamente retruca: “quer dizer que aquele seu problema foi resolvido”?
Sim, respondeu e complementou: “não que tenha parado de fazer pipi na cama, só que agora não dou a menor importância...”
Quando um de nós se abre e comenta sobre um dos “seus bichos”, está permitindo que outros aproveitem de sua experiência.
É dentro desse espírito que vamos registrar um caso de inibição.
Viajávamos de ônibus para São Paulo, quando, depois de muita conversa, o companheiro de viagem cantarolou um samba num estilo quase bossa nova.
Desabafou que seu canto era o resultado de sua luta vencedora sobre sua inibição de cantar.
Afirmou que aquela inibição tivera origem nos bancos escolares do ginásio.
Naqueles tempos existia a matéria ”Canto Orfeônico” e o “Coral do Colégio”.
Quem formava o coral era a professora de Canto Orfeônico. O processo de seleção era muito prático. Era pedido aos alunos que cantassem e a exclusão dos desafinados acontecia de forma rápida e rasteira.
A partir de sua exclusão, o companheiro de viagem passou a usar o crachá de “antimusical”, até assistir, há poucos anos atrás, em vídeo, um filme grego da década de 50, “Nunca aos Domingos”.
Neste filme, a personagem principal, a prostituta da ilha, em defesa de sua espontaneidade, argumenta: “os pássaros cantam, apesar de não conhecerem nenhuma nota musical”
As rimas de “Argumento de Desafinado” foram geradas pela narrativa do companheiro de viagem.
“Argumento de Desafinado” são rimas resultantes da certeza do prazer que é cantar, quer na forma forte, em grupo, quer só, na forma pura. São desejos para que todos os inibidos e desafinados rompam seus grilhões e expressem, em qualquer das formas, seus pensamentos e sentimentos.
Imitem os pássaros que cantam sem conhecer nenhuma nota musical.
Argumento de Desafinado
Você, que é inibido
e que do ridículo tem pavor,
escute bem, meu caro amigo,
o que tenho para te expor.
Imitar os pássaros não faz mal.
Eles cantam sem conhecer
nenhuma nota musical.
Argumento de desafinado.
Argumento de desafinado.
Cante só na forma pura,
em tom alto, seus lamentos.
Cante em coro, na forma forte,
em tom grave, seus protestos.
Desiniba, companheiro!
Cante muito à vontade,
saboreie como um pássaro
o gorjeio da liberdade.
Argumento de desafinado.
Argumento de desafinado.