DO FIM PARA O COMEÇO...

Já se imaginou fazendo as coisas que todo mundo faz, só que de forma invertida? Ao contrário. De trás para frente. Começando do fim e terminando no começo? Faça um exercício e imagine isso e depois reflita se valeria a pena, se seria bom, se daria certo.

Por exemplo: que tal começar a viver pela morte? Assim... Estão todos no seu enterro, chorando, condoídos, vendo-o ali, deitado naquele ataúde frio, inerte, pálido, sem vida... De repente, você se levanta, vai readquirindo as forças, a sua cor natural, a viscosidade da pele, etc. e tal.

É claro que, no início, vai ter gente que pode até morrer de um infarto, ao ver uma cena inusitada como esta descrita, mas, logo se acostumaria, com certeza. Vai perceber que é, no mínimo, um milagre e, como todo ser humano, curioso que é – e fofoqueiro também – não vai querer perder nada dos detalhes, para poder contar, claro, à sua rede de contatos.

Bem, se isso de fato acontecer, começar pela morte, significa que, se ela se deu de forma natural, ocasionada pela velhice, no mínimo, você deve ter morrido num asilo. É o mais natural, pois hoje em dia o velho é um estorvo e os filhos, para não terem dor de cabeça, já arrumam uma casa de repouso para jogar aquele que lhe criou com tanto carinho.

Então, você começa, de verdade, a viver numa casa de repouso. À medida que o tempo vai passando, sua capacidade motora vai aumentando, suas articulações vão se flexionando mais, as dores vão sumindo, a visão enxergando mais, a pele desenrugando, a libido voltando, os ombros se desarqueando, os movimentos tornando-se mais ágeis, os reflexos e a capacidade do cérebro produzindo pensares todos mais rápidos, enfim, você é convidado a deixar aquele lugar, pois o seu perfil já não se encaixa no título (ou rótulo) de “idoso” e, de repente, você se vê recebendo os presentes de despedida dos seus colegas de trabalho, o último contracheque, a volta do último cargo – o de chefia –, as reuniões, as decisões, as conquistas profissionais...

Aí, é uma glória. A cada dia que passa você se torna mais jovem, mais vigoroso, saindo da "idade do lobo" – onde você, por medo da velhice, come de tudo e o que passa na sua frente –, voltando para a idade da razão – onde existe a exclusividade, a escolha, a triagem, o casamento, a mulher dos seus sonhos – e desemboca na juventude desvairada, época de faculdade, dos porres homéricos, das noites de orgias, de muitas namoradas, brigas, ciúmes, viagens de acampamentos, infidelidades, enfim, só curtição...

Depois disso tudo, vem a fase do descobrimento – a adolescência – com suas rebeldias e tendências revolucionárias – e de esquerda – e onde os discursos escolares são inflamados, porém, quase sem nenhuma consistência ideológica. No meio desse ato de retroceder, o primeiro prazer, a primeira espinha, a transformação do corpo, os primeiros pêlos...

De súbito, você se vê na fase de criança, com as brincadeiras, as curiosidades naturais do pega-e-coloca-na-boca e o primeiro “papá”, o primeiro “mamã”, os choros de birras e manhas, as primeiras falas, os primeiros gu-gu-gus...

Voltando mais um pouquinho, o útero, com serviço a domicílio, cama confortável, quentinha – cinco estrelas – do ventre da mãe, comida de graça, saudável, nutritiva e, a cada dia que passa, o que era um quarto aconchegante, passa a ser uma suíte para um casal, depois para dois casais e, no seu final, para um harém...

Finalmente, você é concebido num orgasmo e, de repente, você vai desaparecendo até se tornar apenas uma vontade de um dia ser gente na mente de quem tem o dom de gerar uma vida...



Nota do autor: crônica baseada no pensamento de Woody Allen – cineasta norte-americano.

 


Obs. Imagem da internet


Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 21/06/2009
Reeditado em 06/12/2011
Código do texto: T1659974
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